“Toda guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal. Não fiquemos em discussões teóricas, tomemos contato com as feridas, toquemos a carne de quem paga os danos. […] Consideremos a verdade destas vítimas da violência, olhemos a realidade com os seus olhos e escutemos as suas histórias com o coração aberto. Assim poderemos reconhecer o abismo do mal no coração da guerra, e não nos turvará o fato de nos tratarem como ingênuos porque escolhemos a paz.” [Papa Francisco, Fratelli Tutti, 261]
Completam-se já cinco semanas do início da guerra entre Rússia e Ucrânia, um conflito violento entre dois povos irmãos. Fará ainda sentido clamar pela paz? A Comunhão Popular pensa que sim. Como nos pede o Papa Francisco, nós não temos medo de ser chamados de ingênuos por escolhermos a paz. Por sua vez, sabemos também, conforme ensina o profeta Isaías, que a paz é fruto de justiça – e que, portanto, só uma compreensão efetivamente justa do que está ocorrendo no Leste europeu pode nos oferecer caminhos de saída.
Em primeiro lugar, é evidente que a invasão da Ucrânia merece nosso total repúdio. O Estado ucraniano é um país soberano, com limites territoriais claros e reconhecido por toda a comunidade internacional, inclusive por Moscou. Portanto, ainda que certas alegações invocadas por Putin tenham raiz na realidade – por exemplo, ao apontar a alarmante influência de grupos neonazistas no país vizinho -, nenhuma dessas alegações pode justificar o que o exército russo vem fazendo. E apelar para termos diversionistas, como “neutralização militar”, só piora as coisas.
Por outro lado, nada disso deve nos impedir de fazer as justas e necessárias críticas àqueles que, de certo modo, provocaram a Rússia, e são, por isso, corresponsáveis pela tragédia humanitária que vemos. Pensamos, obviamente na OTAN, aliança militar capitaneada pelos EUA e integrada pelas principais nações da Europa Ocidental.
De fato, com o fim da Guerra Fria, encerrada a ameaça soviética, a OTAN perdeu sua razão formal de existir, e, desde então, ela tem sido simplesmente uma aliança ofensiva de promoção dos interesses dos Estados Unidos. Suas ações jamais respeitaram a integridade territorial de outros países, e o imperialismo ocidental seguiu sempre avançando, seja pelo uso explícito da força, seja por mecanismos de soft power ou da chamada guerra híbrida. Que o digam Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, Iugoslávia e tantos outros. Nesse processo, a Rússia foi classificada pela OTAN como uma inimiga a ser encurralada, o que alimentou a insegurança internacional e produziu parte do cenário que temos agora.
Com efeito, será por simples razões humanitárias que se tem movido sanções contra a Rússia? Mas não é a própria OTAN quem vive invadindo países indiscriminadamente, e, no entanto, permanece impune? Além disso, se a motivação é verdadeiramente o bem-estar dos ucranianos, por que é as sanções atingem os fertilizantes comprados pelo Brasil e o trigo consumido por vários países em desenvolvimento, mas não inclui o gás e o petróleo russos que vão para o Ocidente?
O objetivo das sanções não tem nada a ver com a solidariedade aos ucranianos. Ao contrário, seu propósito é bem outro: mostrar quem manda e quem obedece, ou seja, lembrar gentilmente a todos que os EUA têm o poder de excluir quem quiserem e ainda definirem quem vai arcar com os custos das sanções impostas por eles. Na prática, o sistema financeiro mundial não passa de uma espécie de clube, em que os EUA são os membros fundadores, com “jóia” e direitos especiais que se estendem à Europa e ao Japão. As nações restantes são meros associados, que só entram com convite, e que devem ficar bem satisfeitas de usar a churrasqueira alguns dias do mês.
Os prejuízos desse cenário para o Brasil são grandes – e não apenas em termos de déficits ou superávits comerciais. Com a guerra ucraniana, fortalece-se a ideia, promovida tanto pela OTAN quanto agora pela Rússia, de uma ordem internacional baseada em polarização, exclusão e rivalidade. Diminui-se, portanto, o espaço para atuação independente, algo essencial para qualquer política externa brasileira digna deste nome.
Se a Rússia vence na Ucrânia, é a vitória da força sobre o direito; caso contrário, é a vitória das sanções oportunistas e do desejo de expansão infinita dos Estados Unidos. Se o conflito se arrasta, mais mortos, mais inocentes feridos; se é rápido, os perpetradores do ataque se acharão vencedores. São todas situações ganha-ganha apenas para Satã, o Príncipe deste mundo.
A guerra, mesmo quando justa, sempre deve ser o último recurso. A paz, por sua vez, depende de uma disposição efetiva de compreender os interesses do outro, de admitir os próprios erros e de criar condições para uma nova atitude. Infelizmente, não parece haver, hoje, um único líder mundial interessado numa paz verdadeira. Enquanto isso, sangra o povo ucraniano.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular.