Avançar para o conteúdo

O dia do Senhor não está à venda

O “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos” é um direito sob ameaça. No Brasil, a agenda do desmonte dos direitos dos trabalhadores está sempre em pauta, sobretudo depois da Reforma Trabalhista de 2017. Embora tenha fracassado, a MP da Carteira Verde e Amarela sinalizava a tentativa de um segundo golpe. Por sua vez, a MP da Liberdade Econômica, sancionada em 2019, previa inicialmente o trabalho aos domingos, considerando-os dias comuns de trabalho sem a necessidade de negociação coletiva, mas essa parte foi excluída do texto aprovado. Mais recentemente, em 2021, em estudo encomendado pelo governo Jair Bolsonaro, o Grupo de Altos Estudos do Trabalho golpeava novamente o sagrado dia de Domingo, entre outras sugestões.

É verdade que a jornada de trabalho dominical já era permitida, de forma excepcional, para algumas categorias profissionais, mas a reforma de 2017 ampliou a possibilidade de negociação entre empregador e empregado a esse respeito. Em tese, o primado do negociado sobre o legislado seria vantajoso para ambas as partes, uma vez que lhes garantiria maior autonomia e oportunidade de escolha. Na prática, considerando a assimetria de poder de barganha nas relações trabalhistas, qual é a possibilidade real de uma negociação chegar a bom termo para a parte mais vulnerável? O trabalhador, no mais das vezes, é uma peça descartável, restando-lhe apenas duas opções: “sim, senhor!” ou “rua!”.

Subjaz a este tipo de proposta a ideia liberal de que mais liberdade significa mais empregos e melhores índices econômicos. O resultado final, porém, se assemelharia ao modelo adotado por Stálin na União Soviética, entre 1929 e 1940, na qual se tentou eliminar o descanso dominical em nome da maior produtividade e secularização da sociedade. Isso mesmo, o governo que ia “acabar com o comunismo” queria deixar nossa semana laboral parecida com a da União Soviética.

O brasileiro acorda cedo e sai de casa para ganhar a vida em transportes públicos lotados, onde passará boa parte do dia no trajeto. Em troca de salário de fome, acumula horas extras, (ou “bancos de horas”) e jornadas duplas que mal pagam seu aluguel. Encerrado o expediente, ainda é obrigado a investir parte do seu “tempo livre” em cursos de “capacitação profissional”. No fim do dia, se a criminalidade permitir, retorna para um breve descanso no lar, depois que os filhos já foram dormir.

Nesse cenário de terror, querem tirar do trabalhador a sua família no dia livre. Em uma sociedade sem um dia de descanso comum, a família não se reúne. “O que podemos fazer em casa se nossas esposas estão na fábrica, nossos filhos na escola e ninguém pode nos visitar? Não é feriado se você tiver que ficar sozinho”, reclamava um trabalhador soviético ao Pravda, jornal do Partido Comunista.

Byung-Chul Han, em “Sociedade do Cansaço”, diz que “a vida hoje se transformou num sobreviver” porque “a economia capitalista absolutiza a sobrevivência”. Com efeito, num sistema econômico voltado para o consumismo e a produtividade desordenada, não há lugar para o descanso, a contemplação e as coisas do alto. Esgotados, depressivos, vivendo a correr numa roda de hamster e fechados na imanência da rotina profissional, como é possível ter vida familiar e de oração? Cada um para um lado, dia após dia, pai, mãe e filhos já quase não se veem ao longo da semana. O que sobra, então, para Deus, para aqueles que amamos e para as coisas que importam? Nem mais o domingo!

Como ensina o Papa São João Paulo II, “No contexto histórico atual, permanece a obrigação de batalhar para que todos possam conhecer a liberdade, o descanso e o relaxe necessários à sua dignidade de homens, com as conexas exigências religiosas, familiares, culturais, interpessoais, que dificilmente podem ser satisfeitas, se não ficar salvaguardado pelo menos um dia semanal para gozarem juntos da possibilidade de repousar e fazer festa”.

O domingo tem um significado especial, que o torna a última trincheira contra o vale-tudo do mercado de trabalho capitalista. A Comunhão Popular reforça a oposição a reformas trabalhistas desumanizantes e a falsas noções de liberdade. Precisamos ter a coragem de dizer: o Dia do Senhor não está à venda! Tampouco nossos momentos em família! Se você também acredita nisso, junte-se a nós pela busca da verdadeira liberdade!

Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular

Etiquetas:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *