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IDENTIDADE BRASILEIRA, ENTRE A INVASÃO E O DESCOBRIMENTO

Há poucos dias foi 22 de Abril. O que pensar sobre esta data? Comemoramos nela uma descoberta, como tradicionalmente se diz, ou uma invasão, como agora afirmam outros?

Por certo, não é nada simples responder a esta pergunta. Mas como afirmou o grande Darcy Ribeiro, em célebre entrevista ao Roda Viva, não há nada mais bonito do que contemplar a obra do Brasil se fazendo a si mesmo. O primeiro passo neste debate, portanto, é conhecermos bem o nosso país, a sua história e a sua identidade, para não cairmos em narrativas fáceis.

Ora, atualmente, há pelo menos duas grandes correntes ideológicas disputando consciências sobre o nosso passado, ambas igualmente equivocadas.

De um lado, uma corrente influenciada pela historiografia marxista atribui todas as mazelas históricas do Brasil à sua origem como colônia de exploração. Segundo esta perspectiva, nossa pátria é subdesenvolvida porque foi criada para sê-lo, desde o início da sua colonização. Atravessando o oceano unicamente à procura de riquezas, os portugueses criaram no Brasil um sistema econômico absolutamente predatório e excludente, que não atendia a nenhum interesse real do nosso povo, mas apenas aos da Metrópole. Fomos, assim, desde as origens, doutrinados para uma postura de submissão frente às potências estrangeiras. E de nosso modelo colonial – fundado no latifúndio, na monocultura e na escravização em larga escala – surgiu o país profundamente atrasado e desigual que temos.

De outro lado, prometendo contar a “verdadeira” História do Brasil, sem cair na “ideologização esquerdista”, há uma corrente de sabor liberal igualmente perigosa. Esta, tal como a marxista, de Caio Prado Júnior, também culpa os portugueses por toda a desgraça nacional. Não, porém, em virtude do modelo de exploração, mas por termos sido formados como uma colônia estatista, na qual todo o processo colonial foi dirigido e conduzido pelo poder político. No Brasil dos 1500, dizem os liberais, tínhamos governo antes mesmo de ter povo. Isso criou em nós uma série de vícios, como a tendência a não respeitar a liberdade de mercado, bem como o patrimonialismo, isto é, a confusão entre as esferas pública e privada, que gera a corrupção. Melhor teria sido o nosso destino se fôssemos uma colônia privatista, aos moldes da inglesas e holandesas, muitas delas fundadas e conduzidos pelos esforços comerciais de agentes privados, como a Companhia das Índias Ocidentais.

Na verdade, ambas as correntes padecem de um mesmo erro fundamental: abordar o Brasil Colônia sob uma ótica meramente econômica, desenvolvendo narrativas que apresentam os personagens históricos como seres puramente egoístas, movidos simplesmente por interesses materiais. Não há, nestas perspectivas, nenhum espaço possível para valores superiores, como o heroísmo ou a santidade. Tampouco se vislumbra aí toda a grandeza social, cultural, étnica e religiosa da formação de nossa pátria – algo que transcende em muito questões produtivas, por mais importantes que elas sejam.

Evidentemente, a Comunhão Popular rechaça a romantização de uma narrativa hagiográfica ou templária da colonização. Sabemos que nobres ideais de evangelização, por exemplo, não podem jamais servir de desculpa para exploração do homem pelo homem, nem servir de cortina de fumaça para encobrir os erros que foram cometidos no passado. A verdade, porém, é que o Brasil real e profundo está em algum lugar entre o romantismo daqueles que afirmam termos sido colonizados pacificamente por heróis e o revisionismo histórico que pretende olhar os últimos 500 anos sob um aspecto puramente econômico e violento.

Naquele desembarque na praia de Porto Seguro, início de uma história de encontros e desencontros, dois povos foram movidos, voluntária e involuntariamente, por um desejo de conhecer.

Os navegadores portugueses, montados nas mais novas invenções de seu tempo, carregavam diversas contradições, do ardor missionário ao desejo de enriquecer a qualquer custo. Permitiram-se, no entanto, interagir com os indivíduos diferentes que então encontravam, interação esta de aprendizado mútuo, com inúmeras trocas humanas e simbólicas, e que não pode jamais ser simplesmente reduzida a uma relação de dominação.

Entre os povos indígenas também fez-se, em 22 de Abril, o fascínio do contato com o Outro. De fato, poderiam ter os nativos simplesmente disparado suas flechas ou fugido, mas não o fizeram. Talvez pela curiosidade, talvez pelo encanto com a cruz de nossa primeira missa, talvez por desejarem as ferramentas e objetos novos que se apresentavam. Provavelmente por uma mistura de tudo isso e muito mais. Diante do diferente, tomaram coragem e foram ao encontro dos recém-chegados. Ignorar essa realidade ou tratá-la de forma idealizada, como simples ingenuidade, é desconsiderar a inteligência, sensibilidade e dignidade daqueles indígenas de 1500.

Em 22 de Abril de 1500, surgiu nosso país, gostemos ou não gostemos. Dos desdobramentos desse fato, nasceu nosso povo, nossa cultura, nossa história. Nossas riquezas, e nosso jeito único de ser, assim como nossas desigualdades, nossas infâmias nossos preconceitos. Nosso bem e nosso mal.

Esmiuçar cada um desses aspectos, com pesquisa histórica, sociológica e antropológica séria, é salutar para avançarmos no conhecimento da nossa própria realidade. Mas atenção: que isto seja feito sempre como ímpeto patriótico! – jamais para nos colocarmos numa cátedra patética, de juízes morais dos nossos antepassados, pregando um “anti-Brasil” copiado de modelos estrangeiros.

22 de abril é um dia de memória e de destino, de recordação e de tarefa. Um dia para inspirar em nós, de modo crítico, a mesma coragem daqueles indígenas e daqueles portugueses, que enfrentaram os riscos do mar e o medo do desconhecido. Tal como eles, partimos, dia a dia, rumo à construção do Brasil.

Sob Deus e com os pobres,

A Comunhão Popular.

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