Por decreto presidencial de Getúlio Vargas, com o intuito de superar males da herança colonial, criou-se em 1943 o “Dia do Índio”. A data remete a um grande congresso indigenista realizado no México, três anos antes, e que visava reconhecer os povos ameríndios como senhores de sua história e de seus direitos.
No Brasil, porém, a instituição da nova data trouxe poucas mudanças. A tutela do Estado brasileiro aos povos indígenas que aqui existiam na chegada dos europeus, no século XVI, foi ininterrupta até a promulgação da Constituição de 1988, quando se reconheceram de modo insofismável os direitos territoriais, sociais, culturais – em uma palavra, étnicos – dos 300 povos indígenas que compõem o Brasil juntamente com os demais brasileiros.
Não existem “índios”, pois esse termo carrega enorme gama de preconceito, desconhecimento e mesmo racismo. O que existe são os Guarani (Kaiowá, Mbya, Nhandeva), os Baniwa, os Puyanawa, os Nhambiquara, os Tucano, os Macuxi, os “Kayapó” (Mebengokre), os Xavante e centenas de outros. Cada um deles com sua história, língua e diversidade própria. Cada um deles, parte inseparável e insubstituível do povo brasileiro.
Apesar do reconhecimento constitucional, persiste na sociedade brasileira, principalmente entre os tomadores de decisão, a visão de que os indígenas são um obstáculo para o desenvolvimento do país. Essa visão anacrônica constitui, em parte, reflexo de uma vontade predatória cada vez mais reinante em nosso país: não basta ao “homem branco” querer viver sem comunidade, sem raízes, em rebelião contra Deus, na tentativa de transformar a natureza numa espécie de grande máquina de satisfazer necessidades, mas é preciso que ninguém possa decidir o contrário, não se pode escolher outro rumo, tentar ser fiel aos seus ancestrais. Estariam justificados, nessa lógica perversa, assassinatos, garimpo ilegal, grilagem de terras e todo tipo de abuso em nome do “progresso”.
A Comunhão Popular se subleva contra essa postura autodestrutiva. Estamos unidos às organizações indígenas e indigenistas do Brasil que defendem a superação do passado escravista e tutelar do Estado frente aos povos originários de nosso território, no espírito sobretudo das lutas mais recentes, representadas, por exemplo, nos Acampamentos Terra Livre (ATL), que têm ocorrido anualmente em Brasília, com afluência de milhares de indígenas, reclamando o impedimento do retrocesso de seus direitos e garantias fundamentais, visivelmente vilipendiados nos últimos anos.
Como pessoas movidas por uma concepção cristã da vida, nós, membros da CP, temos muito em que nos inspirar para o nosso compromisso visceral com a causa indígena. Inspira-nos a Virgem Guadalupana, Mãe de Deus que em sua aparição no México assumiu feições dos povos originários. Inspiram-nos os textos das Conferências Episcopais Latinoamericanas de Medellín (1968) e de Puebla (1979). Inspira-nos, enfim, a atitude firme do Papa Paulo III que, na encíclica “Sublimis Deus”, ainda em 1537, declarou que “os ditos índios e todos os outros povos que venham a ser descobertos pelos cristãos, não devem em absoluto ser privados de sua liberdade ou da posse de suas propriedades, ainda que sejam alheios à fé de Jesus Cristo; (…) e não devem de modo algum ser escravizados”.
Viva 19 de Abril! Viva a causa indígena!