“Uma das razões pelas quais o futebol é o esporte mais popular do mundo é porque os fracos podem vencer os poderosos. Os poderosos são poderosos devido ao que produzem e ao que trazem, mas o resto é indispensável. O que dá saúde à concorrência é o desenvolvimento dos fracos, não o crescimento excessivo dos fortes”. – Marcelo Bielsa
Durante a Copa do Mundo de 2014, era comum a imprensa britânica se referir ao Brasil como o “Lar Espiritual do Futebol”, reconhecendo que em terras tupiniquins houve uma identificação com o esporte bretão que transcendeu a própria relação de seus inventores com a modalidade.
Seja a alegria do brasileiro, que se manifesta na pujança e na plasticidade do nosso futebol; seja a inventividade do brasileiro, que se traduz na audácia e no improviso do drible; seja a fé do brasileiro, que se comunica com a imprevisibilidade do futebol, com as reviravoltas mais épicas e o imponderável “Sobrenatural de Almeida” de Nelson Rodrigues. A verdade é que é difícil encontrar uma expressão que tanto nos represente como o Jogo Bonito.
A fortaleza do vínculo entre o brasileiro e o futebol contrasta com a fragilidade da situação financeira dos clubes nacionais. Em mais uma tentativa de discutir soluções possíveis para esse problema, ganhou espaço, no final do ano passado, a discussão sobre a criação da Nova Liga de Clubes (Libra), sem a tutela da CBF. A polêmica maior refere-se à distribuição das cotas televisivas.
A Libra propõe a manutenção da atual divisão da verba da primeira divisão de “40-30-30”, ou seja, 40% iguais para todos os clubes da Série A, 30% de acordo com a colocação na tabela e 30% segundo o “engajamento”, ou seja, um equacionamento de itens como pacotes de pay-per-view vendidos, público no estádio e tamanho de torcida. Em sentido oposto, o “Forte Futebol”, que agrupa os dissidentes, prefere dividir em “50-25-25”, como no Campeonato Inglês.
Dentre as três parcelas, a única que não significa ganho adicional sobre outras bonificações inerentes e premiações é a primeira, a igualitária. Além dos direitos televisivos, os primeiros colocados têm ganhos exclusivos relacionados à participação na Copa Libertadores e à entrada na fase mais avançada da Copa do Brasil. Já os clubes de maior torcida têm mais receitas com patrocínios, venda de camisas, venda de ingressos, sócios-torcedores e ações de marketing.
A preservação do atual modelo fortalece a tendência de “espanholização do futebol”. Significa, no final das contas, o sequestro do esporte pela lógica liberal de mercado: paga-se (muito) mais para clubes com maior potencial lucrativo. Mas quem ganha com um campeonato que apresenta pouquíssimos protagonistas e uma multidão de figurantes? Não há competitividade sem equilíbrio de forças, assim como não há magia e espetáculo sem um campeonato com muitos clubes com chances reais de levantar a taça.
Uma justa distribuição dos direitos de transmissão é a única forma capaz de tornar o Brasileirão menos desequilibrado e mais competitivo. Para os clubes pequenos e emergentes, trata-se de seu ganha-pão. Os clubes grandes continuarão ganhando mais, mesmo com a distribuição mais igualitária, só que disputarão um campeonato mais atrativo e competitivo, com clubes emergentes e pequenos que não precisam vender o almoço para comprar a janta.
O que uma distribuição mais justa e igualitária poderia fazer pelo futebol no país no médio e longo prazo? Não seria melhor abraçar a “espanholização” de vez?
Isso seria diminuir o que o Brasil é. Pesquisa do Ibope em 2017 indicava pelo menos 17 clubes brasileiros com mais de 1 milhão de torcedores, cenário muito mais parecido com o inglês que o espanhol. Se, há 30 anos, a “Premier League” lançou as bases daquilo que veio a torná-la a maior liga de clubes do mundo, desta vez será o Brasil que terá a oportunidade de fazê-lo, replicando o que deu certo, como a diferença menor entre as receitas do primeiro e do último colocado.
O Brasil conta hoje com cerca de 6 de CTs e 15 estádios de primeiro nível. Agora, imaginem no país 40 clubes, das Séries A e B, com Estádios, CTs e categorias de base de primeiro nível? Imaginem quantos talentos a mais seriam revelados? Imaginem 40 clubes que não precisam vender suas joias para pagar salários atrasados? Imaginem 40 clubes com carnês esgotados e estádios lotados durante todo o calendário? Nenhuma outra Liga Nacional seria comparável.
A Comunhão Popular é entusiasta do futebol brasileiro. Independentemente do resultado desportivo, mesmo dos mais vergonhosos, cada um ama o seu clube pelo que ele é, não só pelo que ele ganha. É essa força que alimentou as seleções nacionais mais brilhantes e que mantém viva a paixão do brasileiro pelo futebol. Por essa razão, consideramos essencial a preservação do patamar de competividade entre os clubes nacionais.
Somos a favor de uma distribuição mais justa e equitativa dos louros entre todos os clubes, como via de fortalecimento do futebol nacional por inteiro. Que seja um avanço que não comprometa nossas tradições e valorize nossas singularidades, nossas saudosas “gerais” nos estádios, nossos centenários campeonatos estaduais, e permita ao Brasil ter a liga de clubes que merece.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular.