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RECONQUISTA E DIGNIDADE

As últimas notícias sobre a Vila Cruzeiro parecem colocar o país todo em meio a um tiroteio mais uma vez. De um lado, a maior parte (sim, a maior parte, bem mais que 50%) do território da capital cultural e segunda maior cidade do Brasil está fora do controle estatal, dominada pelas milícias e facções criminosas, que impõem regras bárbaras sob as áreas ocupadas e constituem uma espécie de proto-Estado paralelo. Do outro lado, as “operações policiais” sobem os morros com o objetivo de “conter” o crime organizado, sempre repetindo episódios de exacerbação de violência que atingem diretamente a população inocente. Barbárie contra barbárie, sangue contra sangue, em um cenário de guerra que não aparece apontar para nenhuma solução.

Vemos duas abordagens predominantes e equivocadas. A primeira é a glorificação da violência policial, com lemas do tipo “bandido bom é bandido morto”. É até difícil escolher por onde começar para apontar quão pervertida é essa visão. Se os agentes do Estado podem se comportar como bandidos no combate ao crime, desrespeitando a dignidade e os direitos de quem vive na área conflagrada, qual é a real diferença? Bandido de farda ou bandido de chinelo, são essas as únicas opções? É para isso que a sociedade recruta e investe na formação policial?

A outra abordagem peca menos pela imoralidade e mais pelo irrealismo. Trata-se dos que acreditam que todo o problema está nas instituições, que seriam intrinsecamente violentas e arbitrárias. Apegam-se a Foucault para fomentar um discurso de desprestígio das forças de segurança e acreditam que os morros se tornarão magicamente um espaço normal se a polícia se retirar. Muitas vezes, buscam disfarçar essa postura antipolicial com a defesa de “ações baseadas em inteligência”, como se a recuperação do território tomado por milicianos e narcotraficantes fosse um caso apenas de disputas sobre informação ou de filme de 007.

Não acreditamos em nenhuma dessas visões. Na verdade, sequer acreditamos na eficiência das “operações policiais”. Para fins de supressão definitiva desses proto-Estados que pululam em pleno Rio de Janeiro, as operações são, na verdade, sessão semanal de corte de unha de um paciente com câncer. Para quem vive ali, porém, é sessão frequente e involuntária de roleta russa.

É preciso a definição de uma estratégia de reconquista definitiva das áreas tomadas pelo tráfico e pela milícia. Sabemos que se trata de uma missão ambiciosa, mas é o mínimo que o Brasil pode esperar. Assim como é o mínimo entender que essa missão não será cumprida apenas com base em repressão, nem somente com inteligência, ainda que seguramente contará com essas dimensões. O oferecimento de serviços públicos, o respeito pela cidadania plena do morador do morro e o envolvimento da comunidade em prol da sua incorporação plena à cidade são aspectos essenciais. E, sobretudo, respeito pela dignidade da população, com rejeição absoluta à tortura e à cultura de impunidade por mortes de inocentes, que não são apenas “baixas” de uma guerra hoje sem propósito e sem estratégia.

Em suma, é necessário urgentemente superar falsas oposições.

De um lado, criar mecanismos rigorosos de investigação e punição ao mau comportamento policial. Isso inclui implantar câmeras nas fardas, como se começa a fazer em São Paulo, a fim de registrar fielmente o que se dá nas operações, mas requer sobretudo um combate sem tréguas aos conhecidos esquemas de corrupção presentes nas PMs, que desonram a corporação e que são peça chave na atuação do tráfico e da milícia. Por outro lado, reconhecer os policiais como parte da classe trabalhadora e sujeitos de direitos. É inaceitável que agentes essenciais do poder público, cuja missão é pôr a própria vida em risco na defesa da sociedade, recebam os salários vergonhosos que têm hoje e não possuam as mais mínimas condições adequadas de trabalho.

Seria mais fácil só repetir que a esquerda tem pena de bandido ou que a polícia é uma instituição fascista? Por certo seria mais fácil, e não nos exigiria construir esse longo texto. Mas não é por caminhos fáceis que se vai resolver o drama da segurança pública no Brasil. E nosso compromisso é com ele, com o nosso país, não com slogan eleitorais.

Sob Deus e com os pobres,

A Comunhão Popular.

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