A Câmara dos Deputados aprovou, na última semana, com 260 votos favoráveis e 111 contrários, o chamado “Novo Marco de Garantias” (Projeto de Lei 4188/21) – que agora segue para votação no Senado. De autoria do presidente Jair Bolsonaro, o projeto pretende ampliar as possibilidades de penhora do “bem de família” pelos bancos, o que, vulgarmente falando, significa dizer que os bancos passarão a ter o poder de tomar a única casa de uma família que fique inadimplente.
O “bem de família” consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da unidade familiar. Sua proteção contra a penhora surgiu em uma lei texana de 1839 (“Homestead Act”), reproduzida em diversos Estados dos EUA e que chegou ao Brasil em 1990, pela Lei 8.009. O STJ, por meio da súmula 364, estendeu a impenhorabilidade também ao imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
A justificativa dessa medida é simples. Todo ser humano depende de um mínimo de alimentação, vestuário, lazer, habitação, etc., para viver com dignidade. Por ser o imóvel residencial um bem essencial à subsistência, estipulou-se que o bem de família, salvo raras exceções, não seria passível de penhora mesmo que o proprietário possuísse dívidas. Não poderia, portanto, o direito creditício de uma instituição financeira se impor perante o direito à habitação de uma família.
É exatamente contra essa saudável intervenção do Estado na economia que a proposta do presidente Bolsonaro pretende investir quando propõe a ampliação da possibilidade de penhora dos bens de família! Um governo supostamente aguerrido na luta pela família busca favorecer os poderosos das instituições financeiras em detrimento justamente de quem diz defender. Esse tipo de percepção de prioridades só pode estar embotado por mistura de cegueira ideológica e ganância sem limites.
De acordo com a lógica do Ministério da Economia, ao estabelecer mecanismos que ajudam os bancos na execução dos créditos, cairiam os custos e os riscos do negócio para as instituições financeiras, facilitando, assim, a concessão de crédito aos consumidores e a redução dos juros nos empréstimos. Enfim, a velha receita liberal.
Na realidade, querem nos dizer que os bancos brasileiros, com lucros altíssimos a despeito de uma década de crise econômica, precisariam reduzir custos de execução de créditos (gastar menos com advogados) e, para tanto, deveriam poder dispor da casa própria da família brasileira. Por sua vez, comprimido pelo contexto de falências, desemprego, inflação, endividamento, retomada da fome, instabilidade política e imprevisibilidade econômica, o chefe de família, desesperado, poderia ser impelido a contrair um empréstimo a qualquer custo, inclusive o custo de possivelmente perder a própria casa! Diante de tal cenário e tais condições, o empréstimo representa um benefício para o seu Zé e dona Maria ou uma armadilha para enriquecer banqueiro pela exploração dos mais fracos? É uma mão que se estende ao necessitado ou uma corda que se oferece ao desesperado?
Nós, da Comunhão Popular, não hesitamos em dizer: o sabor das propostas liberais não nos apetece. Acreditamos que se trata de projeto inconstitucional e revelador da mentalidade equivocada que anima o atual governo. Em cenário de fragilidade econômica, prefere colocar a tábua salva-vidas da família à disposição dos ricos para continuarem a enriquecer. Um governo que gosta de citação bíblica fora de contexto, mas se esquece que “’certo dia, chegou à casa do homem rico a visita de um estranho e ele, não querendo tomar de suas ovelhas nem de seus bois para aprontá-los e dar de comer ao hóspede que lhe tinha chegado, foi e apoderou-se da ovelhinha do pobre, preparando-a para o seu hóspede’. Davi, indignado contra tal homem, disse a Natã: ‘Pela vida de Deus! O homem que fez isso merece a morte.’” (II Sm 12, 4-5).
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular.