Hoje, 11 de junho, a morte de Shireen Abu Akleh completa um mês. Em 11 de maio, à luz do dia, enquanto cobria protestos palestinos em Jenin, com colete e capacete identificador de imprensa, a repórter palestino-estadunidense foi alvo de um tiro na cabeça que, ao que tudo indica, partiu das forças israelenses. Não fosse suficiente, o cortejo fúnebre de Shireen, do Hospital São José até a Catedral da Anunciação da Virgem, em Jerusalém (Shireen era católica greco-melquita), foi atacado pela polícia israelense, que desferiu golpes de cassetetes, bombas de efeito moral e chutes contra aqueles que carregavam o caixão.
Muitos, mesmo com boa memória, não se lembram nem sequer foram informados a respeito. Declarações dos patriarcas em Jerusalém, de associações de jornalistas e de outros grupos pareceram abafadas, e a manchete original do New York Times a respeito (“Shireen Abu Akleh, trailblazing Palestinian journalist, dies at 51”) fazia parecer que Shireen havia morrido na cama. Seria algo contra a repórter palestina, com 25 anos de experiência como correspondente na região, ou apenas parte de uma falha mais profunda?
A verdade é que a questão palestina tornou-se um “conflito esquecido”. Se, nos anos 90, o mundo se mobilizava para ver Yasser Arafat e os líderes israelenses discutindo soluções para a ocupação israelense, hoje raramente um episódio de violência na região suscita reação da “comunidade internacional”. É comum a avaliação de que se trata de um conflito muito complexo, sem solução evidente e, assim, algo a se deixar de lado. Em alguns casos, expressões de inconformismo com a situação vigente são até acusadas, absurdamente, de antissemitismo.
O que em tudo isto se esquece é que Israel ocupa ilegalmente território que não é seu. Israel nem viabiliza a independência (a famosa “solução de dois Estados”) e nem oferece cidadania israelense (“solução de Estado único”) aos palestinos que habitam a Cisjordânia. Ademais, expande assentamentos israelenses no território ocupado e subtrai recursos da região; no caso da Faixa de Gaza, limita-se à contenção, deixando o território sob o domínio do Hamas. Por todos os critérios, o nome dessa conduta é colonialismo e, portanto, difere e muito de uma “disputa interna”, configurando flagrante violação à ordem internacional.
É por isso que a defesa da autodeterminação do povo palestino não constitui intromissão nos assuntos internos de Israel. Falar isso não é negar o direito de existência de Israel, nem justificar ações terroristas, muito menos afirmar que Israel não possa lutar pela paz em seu país. Na verdade, com 5 milhões de palestinos ao seu lado, os 9 milhões de israelenses só teriam como solução pacífica um entendimento. A estratégia colonial vigente é insustentável no longo prazo.
O terrorismo na luta palestina não justifica a perpetuação da ocupação israelense. Não tem terrorismo palestino que justifique assassinato de jornalista palestina cristã, com uniforme da imprensa, e ataque ao seu cortejo fúnebre. Na verdade, trata-se de um ciclo vicioso, em que a subsistência de grupos terroristas palestinos e a política israelense de ocupação se retroalimentam. Com isso, fecha-se o espaço para qualquer grupo que promova uma solução política para a situação.
É comum, hoje, uma espécie de “alinhamento automático” de igrejas cristãs brasileiras com Israel. Às vezes, até recorrem às Sagradas Escrituras para defenderem uma confusão entre o Israel bíblico e o moderno Estado de Israel. Seus motivos são muitos e escapam a este texto, mas essa postura é deletéria para a compreensão das injustiças do conflito palestino. No caso dos católicos brasileiros, essa é uma posição incoerente com a pregada pelo Vaticano, uma das poucas vozes a não esquecer a causa palestina. É uma leitura que desumaniza os palestinos, todos tachados de “terroristas”, “radicais” ou simplesmente “muçulmanos” (como se todos assim fossem ou como se muçulmanos não fossem gente), que ameaçariam a “Terra Santa” (sua própria terra) e seriam uma espécie de novos bárbaros, sem direito à autodeterminação.
Nós, da Comunhão Popular, seguimos lembrando ciosamente da causa palestina. Enquanto rezamos pela alma de Shireen, seu sangue inocente clama por justiça. Defendemos o direito do povo palestino a um Estado, já reconhecido pelo Brasil e por mais de cem países, e rejeitamos o “alinhamento automático” de alguns cristãos brasileiros com Israel. Acreditamos que o restante de solidariedade internacional em relação à autodeterminação palestina deve insistir em encontrar expressão política, favorecendo os atores, palestinos e israelenses, comprometidos com uma solução que garanta paz e segurança, da Palestina e de Israel, e encerre a ocupação colonial.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular.