De acordo com os dados do último Censo (IBGE, 2010), 23,9% da população brasileira possui pelo menos algum tipo de deficiência visual, auditiva, motora ou mental/intelectual, totalizando mais de 45 milhões de pessoas com esta condição. Diante do desafio de garantir a inclusão social e o exercício da cidadania a este número expressivo de brasileiros, o ordenamento jurídico pátrio garante um extenso rol de direitos à pessoa com deficiência, tais como cotas em concursos públicos e em vagas de empresas privadas, concessão de passe livre interestadual, prioridade na aquisição de imóvel nos programas habitacionais do governo, dentre muitos outros.
Impõe-se, no entanto, a pergunta: quem é a pessoa com deficiência titular desses direitos? Historicamente, várias definições foram adotadas e para cada uma houve uma resposta político-social diferente. Primeiro, encarou-se a deficiência como um problema exclusivamente individual e biomédico, cabendo unicamente à pessoa adaptar-se à sociedade. Em seguida, tentando superar o isolamento gerado pelo primeiro modelo, a questão foi deslocada para um ponto diametralmente oposto. Pelo modelo social, a deficiência passou a ser considerada algo construído pela própria sociedade, entendendo-se que a exclusão vem do ambiente. Disso decorre que não é a pessoa com deficiência que deve se adaptar à sociedade, mas a sociedade é que deve trabalhar pela inclusão de todos. Por fim, com o advento da Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência, surgiu o modelo biopsicossocial. Desde então, a deficiência passou a ser avaliada tanto pela perspectiva biomédica quanto pelo viés das barreiras sociais. Trata-se de uma abordagem que contempla a questão da deficiência de forma mais completa e equilibrada ao promover a interação entre os dois modelos anteriores.
No entanto, justamente por ser mais completa, a avaliação biopsicossocial descortina uma realidade complexa que, na prática, gera muitas dificuldades e incertezas. Por exemplo, o portador de surdez unilateral ou cegueira monocular é pessoa com deficiência? Os portadores de distúrbio neurovisual, como a Síndrome de Irlen grave, estão contemplados pela lei como “deficientes visuais” ou não? E o que dizer da pessoa que padece de intensas dores lombares em razão, por exemplo, de um acentuado grau de escoliose? Estes são alguns dos muitos casos que se situam numa zona de penumbra e, por isso mesmo, estão ou já estiveram submetidos individualmente à análise judicial perante nossos Tribunais.
Mudemos, agora, de enfoque. Pensemos no caso emblemático da ilustre senadora Mara Gabrilli. Mara Gabrilli, apesar da tetraplegia, é notoriamente uma pessoa de inteligência e capacidade cognitiva acima da média. Além disso, galgou, na carreira pública, o cargo legislativo de maior prestígio do país. Seria razoável garantir-lhe o direito a cotas no mercado de trabalho e todos os demais direitos da pessoa com deficiência?
Não são perguntas fáceis, porém não enfrentá-las significa manter por mais tempo milhares de brasileiros em situação de isolamento e ostracismo social. O quadro se torna ainda mais dramático quando consideramos que a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência foi regulamentada por um documento legal editado no ano de 1999 (Decreto 3.298/99), ou seja, é uma política defasada que não acompanhou os avanços científicos das últimas décadas e, por isso mesmo, até hoje contempla, no rol protetivo, apenas os deficientes físicos, auditivos, visuais e mentais, todos eles previstos com definições bem restritivas pelo texto legal. Além disso, não se desconhece que alguns diagnósticos são caros e demandam exames de difícil acesso, razão por que uma pessoa pode levar anos para obtê-lo de forma conclusiva. Toda esta insegurança jurídica penaliza a pessoa com deficiência, que se vê relegada a um ponto cego das políticas públicas e da legislação protetiva.
Nós, da Comunhão Popular, consideramos o novo modelo de Avaliação Biopsicossocial apresentado recentemente pela Ministra Damares Alves, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, um raro e bem-vindo acerto do atual governo. Trata-se de um instrumento nacional unificado que promoverá a prévia identificação das pessoas com deficiência que fazem jus aos direitos e benefícios legais, a partir de avaliação multidisciplinar e biopsicossocial. Além disso, permitirá a coleta e cruzamento de dados, bem como servirá de ferramenta de defesa do Estado contra fraudes. Acreditamos que, se bem implementado, este é um passo importante para a remoção das barreiras que impedem a participação social plena e efetiva das pessoas com deficiência em igualdade de condições com as demais.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular