Hoje é dia de Corpus Christi, feriado oficial em quase todos os municípios brasileiros. Diante dessa ocasião de festa, há quem questione se um feriado católico não seria uma agressão aos não-católicos brasileiros. Questionamento meio estranho, mas que nos ajuda a perceber a fragilidade do discurso laicista que infelizmente têm ganhado força no Brasil.
Segundo o laicismo, como vivemos em uma sociedade plural, a justiça exige uma separação completa e absoluta entre política e religião. Não se trata apenas de defesa do Estado laico, não-confessional, mas de uma extrapolação desse conceito. Nesta ótica, o Estado diz respeito ao espaço público, àquilo que afeta a todos, enquanto a fé religiosa, qualquer que ela seja, deve ficar completamente restrita à esfera privada. Uma, portanto, deve estar completamente isolada da outra.
O grande problema do raciocínio laicista é que ele está desconectado da realidade nacional. No mundo concreto, na vida real, o poder público não é – e nem deve ser – apenas uma instituição jurídica. Um Estado é sempre a expressão de um Povo, isto é, de um ambiente cultural e histórico específico. É por isso, por exemplo, que Israel traz em sua bandeira a Estrela de Davi, um símbolo judeu. Vários países europeus, como a Inglaterra, têm em seu emblema nacional a cruz cristã, assim como alguns países asiáticos e africanos trazem na flâmula a lua crescente, associada ao islamismo. Nenhum desses Estados é menos democrático por isso.
No caso específico do Brasil, o catolicismo está intimamente entrelaçado com a identidade nacional. Presente em nossa pátria desde os seus inícios, a Igreja deixou e deixa até hoje inúmeras marcas nos mais diversos aspectos da vida brasileira. Faz parte da espiritualidade do povo brasileiro, que existe mesmo à revelia de quem nega a existência de uma vida espiritual. Ninguém precisa ser pessoalmente católico ou religioso para admitir isso. Não à toa, todos conhecemos famílias que não são cristãs, mas que ainda assim fazem questão de batizar seus filhos e casar-se na Igreja, além de comemorar unidas a Páscoa e o Natal.
Em um país que já foi “Terra de Santa Cruz” e é formado por vários estados e cidades com nomes de santo, o difícil não é justificar a existência dos feriados católicos. O difícil mesmo é aceitar o lema “Ordem e Progresso” na bandeira nacional. Esse é um lema ligado ao positivismo, corrente ideológica fundado pelo francês Augusto Comte e que exerceu grande influência na proclamação da República. Mas diga lá: quantos positivistas você já conheceu? E que impacto têm hoje as ideias de Comte no cotidiano da pátria?
Para quem, contra os feriados, alega a liberdade de religião, é preciso esclarecer. Com toda a certeza, a liberdade religiosa é um direito fundamental e inegociável. Nenhuma pessoa deve ser coagida a crer, mesmo que seja no dogma mais verdadeiro. Aliás, é do interesse da própria verdade religiosa não ter seguidores hipócritas, movidos pelo medo ou por ganhos alheios à vida espiritual, assim como é do interesse da sociedade brasileira, tão variada e plural, que a virtude da tolerância seja sempre exercitada por todos.
A liberdade, contudo, não exige apenas que as consciências individuais sejam respeitadas – ainda que isso seja fundamental. A verdadeira liberdade religiosa exige também que o Estado facilite a busca espiritual dos cidadãos, retirando os obstáculos desnecessários que se coloquem para sua experiência do sagrado e reconhecendo publicamente a importância das manifestações de fé. Assim, quando um feriado religioso é criado, o poder público não está impondo nada a ninguém, nem colocando em posição inferior quem porventura diverge da religião majoritária na sociedade, mas apenas facilitando, para quem queira, a busca por Deus, ao reservar um dia para o Seu culto.
Aqueles que não se identificam com a festa de Corpus-Christi podem aproveitar a data de maneiras diferentes, conforme sua livre vontade. E o mesmo vale para outros grupos religiosos em datas semelhantes, como o Dia do Evangélico, feriado em Rondônia, Acre e Distrito Federal, bem como o Dia de São Jorge, feriado oficial no Rio de Janeiro, instituído em larga medida pela devoção ao orixá Ogum, sincretizado com São Jorge pelo candomblé e pela umbanda, religiões afro-brasileiras bem fortes no Rio.
Nós, da Comunhão Popular, não somos laicistas. Defendemos com toda a força a liberdade das consciências, mas não vemos qualquer contradição entre isso e reconhecer o insubstituível papel da fé nas suas mais diversas dimensões. Dessa forma, não apenas apoiamos os feriados religiosos, como também outras medidas públicas pelas quais o Estado brasileiro, sem violentar ninguém, ampara as pessoas em sua busca espiritual. Vão nesse sentido a imunidade de impostos para os templos; o ensino religioso facultativo nas escolas públicas, conforme o credo de cada família; a assistência espiritual nos hospitais do SUS e nas Forças Armadas; a menção a Deus no preâmbulo da Constituição; a presença de símbolos religiosos em espaços públicos.
Não há motivo para temer a honra pública e oficial a Deus. Pelo contrário. Virão daí as mais poderosas bênçãos do Céu.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular