No fim de semana passado, encerraram-se as festas do Divino Espírito Santo. De origem europeia, a festividade chegou ao Brasil pelas mãos portuguesas, em meados do século XVIII, tanto em Guaratinguetá/SP (1761) quanto em Salvador/BA (1765). Os portugueses receberam essa tradição por meio da iniciativa da Rainha Santa Isabel (1271-1336), que prometera à terceira Pessoa da Santíssima Trindade peregrinar o mundo com uma cópia da coroa encimada pelo símbolo do Divino Espírito Santo – a pomba branca -, se o seu esposo, rei Dom Dinis, fizesse as pazes com seu filho Dom Afonso, herdeiro do trono.
A rainha era afamada pela liberalidade em distribuir esmolas, razão pela qual seu palácio vivia rodeado por pedintes. Dom Dinis, contrariado com a prodigalidade da caridosa rainha, proibiu-lhe tal prática, mas ela prosseguiu com a generosidade. Certa feita, enquanto Dona Isabel carregava, no regaço, um punhado de pão para os seus pobrezinhos, deparou-se com o rei. Interpelada sobre o que carregava consigo, limitou-se a dizer: “levo rosas”. Mas o rei, insatisfeito, pediu-lhe para vê-las, no que se deparou com as rosas mais belas e cheirosas já vistas naquele reino. De acordo com o folclorista Alceu Maynard, a distribuição de comida característica da Festa do Divino Espírito Santo nada mais é do que um espelhamento do “milagre das rosas”.
Há quem associe, também, a festa ao milenarismo de Joaquim de Fiore, que pregava, na Itália do século XII, o surgimento da “era do Espírito Santo”. Rejeitado pela Igreja Católica, o milenarismo encontrou ecos no Brasil, como na obra do padre Antonio Vieira, na revolta do Contestado e em Canudos. Nas festas do Divino, porém, seu sentido acabou amainado pela esperança de um império cristão, que traria ao povo sofrido da terra ao menos um prenúncio dos consolos do Céu.
Historicamente conectada aos ciclos do calendário agrícola, a Folia do Divino, no Brasil, deitou raízes como uma festa de consumo, fartura e abundância, ocasião para se comemorar, agradecer e pagar promessas. Celebrada por vários dias até o encerramento em Domingo de Pentecostes (50 dias depois da Páscoa), é a contrapartida da Festa de São João, a qual, por sua vez, se processa em temporada de produção, sendo marcada pela esperança de colheita e casamento. Recebidas as bênçãos de uma boa safra, as promessas são pagas trabalhando-se no evento, cuja organização demanda os mais variados afazeres do “festeiro” e dos seus ajudantes, desde a confecção dos trajes e bandeiras e a ornamentação dos espaços em vermelho e branco, até o preparo do “afogado” e demais iguarias.
A pomba branca, representando o Espírito Santo, é o centro da devoção dos fiéis. É comum um sacerdote ir, de casa em casa, com uma pequena comitiva, levando o ilustre Visitante para abençoar cada lar. Porém não é só. A Folia do Divino, que irrompe a alvorada com missas e procissões, estende-se ao longo dos dias com danças típicas, bailados regionais e muita diversão. Há, ainda, a famosa cavalhada, espécie de teatro ao ar livre em que os atores encenam as lutas travadas entre cristãos e mouros durante a Idade Média. Um dos momentos mais esperados é a troca de coroas, em que o padre consagra a designação do novo imperador do cortejo, a exemplo dos tempos de Carlos Magno, quando cabia ao clero aclamar os reis e coroar os imperadores. De acordo com o folclorista Câmara Cascudo, José Bonifácio preferiu cunhar o título de “Imperador do Brasil” ao de rei porque o povo estaria mais acostumado em razão da Folia do Divino.
No princípio, exceto em São Luís do Maranhão, o evento era tipicamente de brancos, enquanto o preto celebrava com a Festa da Coroação do Rei de Congo. Somente depois da Lei Áurea, o folguedo do Divino passou a gozar das belezas do colorido multiétnico, com destaque para a região amazônica, onde se tornou uma festa majoritariamente negra.
Toda esta dinâmica não passaria despercebida pelo antropólogo Roberto Damatta, segundo o qual “as festas religiosas, assim, por colocarem lado a lado e num mesmo momento o povo e as autoridades, os santos e os pecadores, os homens sadios e os doentes, atualizam em seu discurso uma sistemática neutralização de posições, grupos e categorias sociais, exercendo uma espécie de Pax Catholica.”
Nós, da Comunhão Popular, incentivamos as festas populares, pois expressam a nossa religiosidade e a identidade nacional, mantêm vivas nossa história e tradições, reforçam o senso de pertencimento e o espírito comunitário. Festejos como a Folia do Divino Espírito revelam o potencial da fé e da tradição em remover barreiras, promovendo a pacificação social e laços de cooperação e de solidariedade entre o nosso povo.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular