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PAGAR PELO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO?

Ganhou atenção nos últimos meses proposta de emenda constitucional do deputado federal general Peternelli (União Brasil/SP) para que os estudantes de universidades públicas paguem uma mensalidade, exceto os que sejam comprovadamente de baixa renda. A defesa do PEC 206/19 parece se apoiar na justiça social e na premissa, correta, de que as universidades públicas, como qualquer serviço público, devem ser destinadas primeiro às pessoas desfavorecidas. Peternelli sugere que o ensino superior público tem, em sua maioria, alunos provindos de classes altas, e estaria restrita àqueles que puderam pagar por uma boa educação básica no setor particular. Se todos contribuímos com o pagamento de impostos para essas instituições, argumenta o deputado, como seria justo que os pobres tivessem de pagar pela educação dos ricos?

A solução proposta é mais complicada do que parece. Em primeiro lugar, essa política atingiria principalmente a classe média. Por um lado, os mais pobres não pagariam nada, e a cobrança de uma mensalidade nem faria cócegas aos mais ricos! Por outro, os estudantes oriundos das classes intermediárias seriam efetivamente penalizados. A exclusão censitária imposta pela mensalidade tende, na verdade, a fortalecer ainda mais a presença de classes mais altas, já que a perda do acesso por parte da classe média não seria compensada pelo ingresso dos pobres, cuja principal barreira ao acesso às universidades públicas é a baixa qualidade do ensino básico, mas por alunos ricos.

Além disso, a proposta abriria precedente perigoso em favor de tendência de cobrar por serviços públicos que hoje são gratuitos. Frente à onda neoliberal que ainda arrasta governos de todo o espectro político no Brasil, podemos temer que, num futuro, o Estado passe a cobrar por tudo, ou então que privatize todo serviço, e assim se sepultaria o Estado Social em prol dos mais pobres. Antes da pandemia, havia grande pressão pelo fim da gratuidade do SUS a todos os usuários. Hoje, cobra-se a classe média; amanhã, cobrarão também os menos favorecidos. Hoje, cobra-se pela educação; amanhã, cobrarão também o SUS e outros serviços universais gratuitos.

Quais projetos alternativos seriam melhores? Levantamos aqui algumas ideias:

1) As cotas sociais nas universidades públicas têm sido um sucesso. Em 2018, uma pesquisa da Andifes constatou que 70,2% dos matriculados no ensino superior federal são de baixa renda. Em 2021, 51,7% dos calouros da USP eram advindos do ensino básico público. Anteriormente à aplicação das cotas sociais, o ensino superior público realmente era mais elitizado; hoje, o cenário mudou. As cotas sociais contribuíram efetivamente para o equilíbrio das universidades em matéria de justiça social.

2) O aluno da universidade pública de renda mais alta poderia contribuir com a instituição ou a sociedade sem precisar pagar uma mensalidade. Após a graduação, os ex-alunos passariam a ter que contribuir com serviços para algum órgão estatal. Outra opção seria cobrar do salário do graduado, após conseguir se fixar num emprego de sua área, uma contribuição financeira. Essas ideias surgem como forma de fazer o ex-aluno retribuir pelo que, em seu direito, gozou. Assim como todo cidadão tem a dívida com a sua pátria, o graduando a teria com os serviços públicos.

3) A criação e promoção de fundos de doações de ex-alunos, como o “Fundo Catarina” na UFSC e o “Amigos da Poli” na USP, permitiria não só o financiamento de pesquisas e projetos pontuais no curto prazo, mas também serviria de “colchão” no longo prazo diante de crises e cortes orçamentários.

Também é necessário valorizar o trabalhador sem ensino superior. A ocupação de pesquisa científica e vida intelectual proposta na academia não é para todos, e muitas vezes essa realidade aliena os graduandos do mundo profissional prático. É desnecessário que toda e cada uma das profissões exija um diploma universitário! Diante disso, cremos ser necessário apostar mais em cursos de formação técnica e profissionalizante, evitando forçar todos os jovens para dentro das faculdades.

O ensino básico não deveria ser designado para simplesmente formar proto-acadêmicos e gente preparada para vestibulares. A escola pode e deve formar os alunos para a vida que seguirão de fato. Alguns, numas áreas; outros, noutras. Para isso, será preciso combater o estigma social que se tem de que “os não diplomados são inferiores” e reconhecer a dignidade de cada ofício. Dentro do organismo social, cada um supre uma função, seja ela “menor” ou “maior”. Cooperamos, cada qual a partir da sua prática.

Nós, da Comunhão Popular, entendemos a necessidade de promoção de justiça social nas universidades, mas consideramos que a cobrança das mensalidades não é uma solução efetiva para esse fim. O acesso às universidades públicas deve continuar gratuito, combinado com outras políticas relativas à formação dos estudantes. Que todos possam contribuir, dentro de suas capacidades, para o desenvolvimento socioeconômico do País, e aos mais pobres sejam garantidos serviços gratuitos pelos quais não podem arcar com os custos no setor privado.

Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular

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