Avançar para o conteúdo

QUAL DEVE SER O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA?

Poucas coisas são tão mal compreendidas na Doutrina Social da Igreja quanto o princípio da subsidiariedade. E, no entanto, poucas coisas tão necessárias para um cristão engajado na política quanto entender esse tema. Vamos, pois, colocar a mão no vespeiro.

Apesar de parecer palavrão ou jargão técnico, “subsidiariedade” é um conceito simples. A ideia em si esteve presente no ensino da Igreja desde sempre, mas seu nome e seu significado estrito foram estabelecidos pelo Papa Pio XI. Na carta encíclica “Quadragesimo Anno”, diz o Santo Padre: “Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à coletividade, do mesmo modo, passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social”.

A justificativa para essa valorização das “sociedades menores e inferiores” vem do próprio Pio XI: “O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los. Deixe pois a autoridade pública ao cuidado de associações inferiores aqueles negócios de menor importância, que a absorveriam demasiado; poderá então desempenhar mais livre, enérgica e eficazmente o que só a ela compete, porque só ela o pode fazer: dirigir, vigiar, urgir e reprimir, conforme os casos e a necessidade requeiram. Persuadam-se todos os que governam: quanto mais perfeita ordem hierárquica reinar entre as várias agremiações, segundo este princípio da função «supletiva» dos poderes públicos, tanto maior influência e autoridade terão estes, tanto mais feliz e lisonjeiro será o estado da nação.”

É flagrante no ensinamento papal uma crítica a propostas que defendem um controle estatal ferrenho sobre a economia, como o socialismo. No entanto, infelizmente, muitos católicos de orientação econômica liberal acabam por deformar o sentido do princípio de subsidiariedade. Em sua interpretação, esse princípio se torna simplesmente uma defesa do Estado mínimo e da economia de livre-concorrência, com todo o seu pacote conhecido de desregulamentações da iniciativa privada, privatizações de empresas públicas e redução drástica de direitos trabalhistas. Será que esta visão está correta? Será que ela respeita aquilo que Pio XI e todos os papas seguintes têm dito acerca do assunto? Evidentemente que não. E explicamos o porquê.

Uma leitura atenta das palavras do papa indica que o principal objetivo do princípio de subsidiariedade não é regular a relação entre as pessoas isoladamente e o Estado. A relação entre indivíduo e coletividade é citada apenas para fins de comparação. O objetivo central desse princípio é regular a relação entre o poder público central e as diferentes associações da sociedade civil, como a família, o sindicato, a pequena empresa, o município, a associação de moradores, o clube de futebol, a ONG, o movimento social etc. A subsidiariedade não é uma ideia individualista, de proteção de cada um frente ao governo. A subsidiariedade é uma ideia comunitarista, de proteção e valorização das instâncias da sociedade civil, os chamados grupos ou corpos sociais intermediários, que se encontram no meio do caminho entre o polo da administração nacional e o polo do indivíduo solitário.

Não precisam acreditar na palavra da Comunhão Popular. Quem diz isso é o próprio Papa Pio XI, um parágrafo antes de definir o princípio da subsidiariedade: “Ao falarmos na reforma das instituições, temos em vista sobretudo o Estado; não porque só dele deva esperar-se todo o remédio, mas porque o vício do já referido «individualismo» levou as coisas a tal extremo que, enfraquecida e quase extinta aquela vida social outrora rica e harmonicamente manifestada em diversos gêneros de agremiações, quase só restam os indivíduos e o Estado. Esta deformação do regime social não deixa de prejudicar o próprio Estado, sobre o qual recaem todos os serviços das agremiações suprimidas e que verga ao peso de negócios e encargos quase infinitos”.

Como poderia ser individualista um princípio que defende o fortalecimento das comunidades contra o predomínio do Estado e contra o predomínio do indivíduo? Como poderia ser privatista e liberal uma regra que considera os vínculos de solidariedade social mais importantes do que as vontades e desejos particulares?

Mais uma vez, não creiam na palavra da Comunhão Popular. Creiam no próprio Papa Pio XI, que afirma dois parágrafos depois de definir a subsidiariedade: “Resta ainda outro ponto estreitamente ligado com o precedente. Como não pode a unidade social basear-se na luta de classes, assim também a reta ordem da economia não pode nascer da livre concorrência de forças. Deste princípio, como de fonte envenenada, derivaram para a economia universal todos os erros da ciência econômica «individualista». Esquecendo ou ignorando esta que a economia é ao mesmo tempo social e moral, julgou que a autoridade pública a devia deixar em plena liberdade, visto que no mercado ou livre concorrência possui um princípio diretivo capaz de a reger muito mais perfeitamente do que qualquer inteligência criada. Ora, a livre concorrência, ainda que dentro de certos limites seja justa e vantajosa, não pode de modo nenhuma servir de norma reguladora para a vida econômica. Aí estão os fatos para comprová-lo desde que se puseram em prática as teorias de espírito individualista.”

O que cabe, portanto, ao Estado, segundo o ensino da Doutrina Social da Igreja? Ser mínimo, pequeno, privatizado, liberal? Não. O que cabe ao poder público é fortalecer as comunidades da sociedade civil organizada, em especial a mais importante delas, que é a família. Tais comunidades é que devem ocupar o centro da vida social, em todas as instâncias – econômica, cultural, política. Por isso a Comunhão Popular defende tanto a economia comunitária, organizada em torno dos negócios familiares, das cooperativas e das empresas em cogestão. Por isso louvamos tanto as manifestações históricas da cultura popular brasileira. Por isso lutamos com toda força pela descentralização do poder público e o protagonismo político dos municípios.

Nosso sonho é fazer do Brasil uma grande comunidade de comunidades. Que o Estado proteja as forças comunitárias lá onde elas são atuantes, respeitando sua liberdade e autonomia. E que o Estado promova o desenvolvimento das comunidades lá onde elas não têm protagonismo, seja fortalecendo as associações que já existem, sejam induzindo a criação de novas.

Sob Deus e com os pobres,

A Comunhão Popular.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *