Na última sexta-feira, dia 24 de Junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos tomou uma decisão histórica. Revertendo sua própria jurisprudência anterior, estabelecida em 1973, o Tribunal americano revogou “Roe vs Wade” e deixou de considerar o recurso ao aborto como um direito constitucional das mulheres. A partir de agora, a chamada “interrupção da gravidez” não é mais naquele país um tema jurídico nacional, e sim local, com cada estado podendo estabelecer sua própria legislação, incluindo proibir completamente o aborto.
Nós, da Comunhão Popular, como todas as pessoas e organizações pró-vida do planeta, nos felicitamos com essa notícia. Os Estados Unidos foram um dos primeiros países do mundo a autorizar o assassinato de pessoas não nascidas. Além disso, são também o maior centro difusor da cultura de morte. Vê-los recuar nesta barbárie, obviamente, nos alegra – e muito. Sabemos, porém que a questão não se esgota nessa decisão.
Conforme advertiu o American Solidarity Party (ASP), organização que, assim como a CP, é fortemente amparada na Doutrina Social da Igreja, “esta decisão, em si mesma, é justa, mas não estabelece a justiça em plenitude”. Afinal, continua o pequeno partido político americano, “há muito o que percorrer até termos uma sociedade que valorize a vida tal como é devido, que honre mães, pais e filhos de maneira integral e convicta. Além disso, como pessoas pró-vida por inteiro, temos um testemunho singular a oferecer. Enfrentar as condições sociais e econômicas que contribuem para a ‘demanda’ pelo aborto é algo necessário para que a causa pró-vida se mantenha digna de crédito.”
Difícil imaginar palavras mais certeiras do que essas. De fato, a santidade da vida humana, a dignidade inviolável que cada indivíduo possui desde o momento da sua concepção, é um princípio ético inegociável. Por isso, todas as pessoas de boa vontade – cristãs ou não – têm a obrigação de sempre se posicionar incondicionalmente contra qualquer projeto de legalização do aborto. Isso, porém, por mais que seja necessário, é insuficiente. “Não basta tornar o aborto ilegal” – sintetizou o ASP – “Temos de torná-lo impensável – o que se faz através de políticas que apoiem as mulheres, as crianças e famílias.” Políticas como “serviços universais de saúde para pré-natal e pós-parto, generosas licenças-maternidade e sistemas de creche, fim da discriminação profissional contra mulheres grávidas e mães, aplicação rigorosa das leis de pensão de alimentos.”
Em nosso país, a necessidade de ser pró-vida por inteiro, e não só pró-nascimento, ficou especialmente nítida nas últimas semanas, quando dois casos trágicos vieram à tona no noticiário nacional. Primeiro, a bárbara história de uma menina catarinense de apenas onze anos, que engravidou depois de ser ter sido estuprada e cuja família recorreu à Justiça solicitando o aborto. Depois, no fim de semana, o absurdo vazamento, por parte de jornalistas de fofoca, do drama enfrentado por Klara Castanho, jovem atriz da Rede Globo, de apenas 21 anos, que também foi vítima de violência sexual, mas que, num ato admirável, de enorme e exemplar heroísmo, optou por levar a gravidez adiante, entregando seu filho à adoção.
Foi absolutamente asqueroso observar, ao longo dos dias, a contradição daqueles que exigiam a proteção da vida do pequeno bebê da menina catarinense, com quase 30 semanas de gestação, mas que também rapidamente se mobilizaram para condenar Klara Castanho. Condenar uma mulher que, mesmo submetida à mais brutal violência e às circunstâncias mais traumáticas, optou por preservar uma vida inocente, entregando seus cuidados a quem teria condições de amar aquela criança. Um processo de entrega para adoção, aliás, que se deu integralmente dentro da lei.
A Comunhão Popular não relativiza o valor da vida humana e por isso se opõe à legalização do aborto em todos os casos, mesmo naqueles mais delicados e difíceis, como o de vítimas de estupro. Por isso mesmo, porém, consideramos revoltante o que aconteceu com Klara Castanho e oferecemos toda a nossa solidariedade a ela. É inaceitável que qualquer pessoa, depois da violência que ela sofreu, não tenha garantido o seu direito à privacidade, ficando refém de jornalistas inescrupulosos e desumanos, em parceria com profissionais de saúde antiéticos que revelaram o ocorrido. A decisão de Castanho foi comovente e acertada, mas nem por isso deixou de ser extremamente difícil. Portanto, o mínimo que ela merecia é o respeito aos segredos de sua vida íntima e o direito de se reconstruir em paz.
Como diz o Papa São João Paulo II, na “Evangelium Vitae”, “muitas vezes, a opção de abortar se reveste para a mãe de um caráter dramático e doloroso: a decisão de se desfazer do fruto concebido não é tomada por razões puramente egoístas ou de comodidade, mas porque se deseja salvaguardar alguns bens importantes, como a própria saúde ou um nível de vida digno para os outros membros da família. Às vezes, temem-se para o nascituro condições de existência tais que levam a pensar que seria melhor para ele não nascer”. Tais razões, explica o Santo Padre, “por mais graves e dramáticas que sejam, nunca podem justificar a supressão deliberada de um ser humano inocente”, mas elas certamente exigem de nós uma postura cuidadosa e diferenciada.
Quem realmente está engajado na causa pró-vida, quem não faz disso apenas para ganhar votos ou iludir a própria consciência, deve ter sempre uma atitude de generosidade e acolhimento com as mulheres. Mais do que julgamentos, o que é necessário é oferecer saídas, a fim de que tanto a vida da mãe quanto a do seu ventre sejam preservadas.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular.