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A ENTREGA PARA ADOÇÃO E A PROTEÇÃO DA INFÂNCIA

“Uma bebê foi encontrada dentro de um saco plástico, em um container de lixo, no bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador. O caso ocorreu na manhã desta sexta-feira [03/06/2022]. A recém-nascida ainda estava com o cordão umbilical e foi encaminhada para uma unidade de saúde, para passar por avaliação médica. Uma moradora da região, identificada como Joca, passava pela Travessa Getúlio Vargas quando viu a recém-nascida, conforme explica a vizinha dela, Angélica Andrade: ‘quando Joca abriu o saco, ela levantou logo a mãozinha.’” (Portal G1)

Notícias como a desta tragédia ocorrida em Salvador são tão frequentes que já não nos chocam como deveriam. Nossa sociedade, infelizmente, tem naturalizado as violências contra a infância – violências que incluem não apenas o abandono de bebês recém-nascidos em espaços públicos, mas também a compra e venda de crianças destinadas ao tráfico humano, os casos de infanticídio, as adoções irregulares e o número alarmante de abortos, sejam legais ou clandestinos.

Para enfrentar esse cenário terrível, foi editada em 2017 a Lei 13.509, recentemente em evidência por ocasião do triste escândalo envolvendo Klara Castanho. Como se sabe, a jovem atriz, depois de ser constrangida publicamente por acusações temerárias e mexericos de fofoqueiros profissionais, divulgou uma carta aberta. Nela, explicou que engravidou em razão de um estupro e que, sentindo-se incapaz de cuidar da criança como deveria, decidiu entregar o bebê para adoção, por meio de procedimento previsto em lei.

A Lei da Adoção promoveu alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo legalmente a permissão para a gestante realizar a chamada “entrega voluntária para adoção”. Trata-se de um instituto jurídico criado justamente para proteger a vida da criança, bem como a sua integridade física e psicológica, desestimulando o aborto, o abandono de incapaz e as adoções irregulares. Dessa forma, também, a legislação distingue claramente a mãe que oferece o filho para adoção daquela que desampara ou expõe o bebê a situações de risco.

Conforme a Lei 13.509/17, o desejo de entrega pode ser manifestado pela mãe antes ou logo após o nascimento, mas, para que seja efetivamente realizada, é indispensável a intervenção do Poder Judiciário. A gestante será então obrigatoriamente encaminhada, sem qualquer constrangimento, à Justiça da Infância e Juventude (art. 19-A, caput, do ECA). Ali, será ouvida por equipe multiprofissional, que apresentará relatório ao juiz, considerando inclusive os eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal (§ 1°). A autoridade judiciária, por sua vez, mediante expressa concordância, poderá determinar o encaminhamento da mãe à rede pública de saúde e assistência social para atendimento especializado (§ 2°). Após o nascimento da criança, por fim, a vontade da mãe ou de ambos os genitores será manifestada em audiência judicial (§5º). Todo este procedimento foi cuidadosamente previsto para auxiliar a mulher e remediar o seu sofrimento psíquico, a fim de que possa formar sua decisão de forma calma, prudente e responsável.

Nada disso, porém, terá efeito prático e real eficácia se não for respeitado o direito ao sigilo sobre a entrega (§5º). Sem isso, é impossível garantir as condições psicológicas e emocionais indispensáveis para o melhor encaminhamento do caso. O sigilo e o respeito à intimidade da mulher conferem a segurança necessária para que esta procure o Poder Judiciário sem correr o risco de sofrer linchamentos públicos, tal como ocorreu no caso da jovem atriz, ou mesmo constrangimentos familiares e hostilidades de pessoas próximas. Em síntese, a mulher que opta pela vida e realiza a entrega voluntária da criança para adoção não pratica crime algum, mas a violação deste segredo e os “cancelamentos” daí decorrentes, estes, sim, são condutas criminosas punidas pela legislação penal.

Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, oito crianças são abandonadas todos os dias no Brasil. O número de abortos, mesmo considerada toda dificuldade de cálculo, também é alarmante, qualquer que seja o dado estatístico que se adote. Estima-se que entre cem mil (Isabela Mantovani, em exposição no Senado) e meio milhão (Anis e UnB, em Pesquisa Nacional do Aborto de 2016) de abortos induzidos são praticados anualmente em nosso país. Por outro lado, segundo os números levantados pelo SNA, há cerca de 21 pretendentes aptos à adoção para cada criança disponível.

Obviamente, a bandeira da adoção não é uma solução mágica ou universal para a proteção da infância. Colocar menores em famílias substitutas não resolverá por si mesmo o complexo problema do aborto e outros do mesmo tipo. Ademais, temos plena consciência dos limites das próprias famílias adotantes, que em sua maioria só aceitam receber crianças de até 3 anos completos. Contudo, se realmente queremos defender os pequenos do Brasil, não basta sustentar uma luta política fundada apenas em termos negativos e denuncistas. Não basta se dizer pró-vida. É preciso oferecer saídas.

Nós, da Comunhão Popular, consideramos necessário apoiar a adoção. Muitas vezes, é a única saída digna para a mulher e para a criança envolvidas em uma circunstância trágica. Além disso, abre espaço para um gesto de amor que inspira uma nova família. Não esqueçamos que Nosso Senhor Jesus Cristo foi filho adotivo de São José e que todos nós, pelo batismo, somos filhos adotivos de Deus. Como disse São João Paulo II, em discurso no Encontro Jubilar das Famílias Adotivas, “relações entre pais e filhos não se medem somente pelos parâmetros genéticos. O amor que gera é, antes de mais, um dom de si. Há uma ‘geração’ que vem através do acolhimento, da atenção, da dedicação. A relação que daí brota é tão íntima e duradoura, que de maneira nenhuma é inferior à que se funda na pertença biológica.” Não à toa, o Concílio Vaticano II, no Decreto “Apostolicam Actuositatem”, ensina que “adotar como filhos as crianças abandonadas” é, nada mais, nada menos, que uma das principais “formas de apostolado familiar”.

Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular.

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