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ÓDIO POLÍTICO: ATENTADO CONTRA A JUSTIÇA

William Shakespeare escreveu inúmeras peças teatrais de teor político, dentre as quais “Júlio César” é uma das mais destacadas. A obra tem um título enganoso, pois seu verdadeiro protagonista não é o grande general romano, mas Brutus, amigo próximo de César, que, induzido por outros, acaba por tornar-se o líder de seu assassinato. Questionado sobre como havia sido capaz de encabeçar a morte daquele que tanto o amava, o Brutus de Shakespeare se justifica dizendo: “Não foi por amar menos a César, mas por amar mais a Roma”. Tal noção distorcida pode ser hoje, de modo ainda mais distorcido, vinculada à barbárie em Foz do Iguaçu, no último final de semana: Marcelo Arruda, um tesoureiro do PT, pai de quatro filhos, foi covardemente assassinado por um opositor ideológico de orientação bolsonarista.

É uma infeliz e tremenda injustiça a violência decorrente do ódio político. De fato, o ódio, segundo Santo Tomás de Aquino, é a resposta negativa do sujeito contra “o que se apreende como contrário ou nocivo”. Ou seja, se eu odeio alguma coisa, isto significa que eu a vejo como inimiga, como um mal, como algo que atenta diretamente contra mim. Transplantado para o campo político, o ódio faz do adversário ideológico não simplesmente alguém que se critica ou questiona, mas um objeto de ataque pessoal. Nesse processo, coloca Emilio Mira y López, muitas vezes, para justificar a oposição odienta, invoca-se o “sagrado prestígio da Pátria”, de forma a “acusar o vizinho odiado de ser ‘traidor da pátria’”. “César é nocivo a Roma”, clamava Brutus; “o petista é nocivo ao Brasil”, clama, com seu gesto, o assassino do tesoureiro.

A injustiça do ódio político está em colocar, acima da dignidade da pessoa humana, o valor de uma ideologia. Se cada coisa tem seu valor, variável de acordo com o seu fim, o ser humano, ao contrário, é um fim em si mesmo. Coisas (inclusive as ideias) têm preço. Pessoas têm dignidade. Coisas (dentre as quais as ideologias políticas) têm um valor estimável, maior ou menor, sujeito à medida. Pessoas têm um valor infinito. Portanto, colocar uma preferência política ou uma suposta “lealdade à pátria” acima do incomensurável peso de uma vida humana é uma das mais absolutas faltas de senso das proporções. No caso deste assassinato, a tal preferência política associa-se a uma desordem afetiva, a uma subordinação do que é humano à paixão animal e despersonalizada da ira.

Acima de qualquer posicionamento político, nós, da Comunhão Popular, defendemos a dignidade inviolável da pessoa humana. Trata-se do primeiro princípio de nosso manifesto. Se agimos assim é porque buscamos ser fiéis ao que nos legou a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, segundo a qual “a ordem das coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas, e não ao contrário”. Os objetos devem estar submetidos às necessidades dos sujeitos, os “algos” aos “alguéns”. Nada e nem ninguém, por mais venerável que seja, pode jamais superar em valor do homem e da mulher. A única exceção a esta regra é Deus mesmo, Senhor de tudo e de todos – que, no entanto, jamais se impõe pela violência ou coage os que não desejam amá-Lo.

Na Doutrina Social da Igreja, a dignidade da qual gozam os membros da humanidade tem origem transcendente. Segundo o padre jesuíta Fernando Bastos de Ávila, o valor intrínseco, inexorável e insubstituível da pessoa humana “se funda na eminente condição do homem como filho de Deus e portador de um destino sobrenatural e eterno”. Desta forma, é em nome de Deus mesmo e sua majestade, que clamamos: cesse toda violência, todo ódio e todo fanatismo político!

Colocar ideias acima das pessoas é ser idólatra: é prestar às próprias crenças um culto que só cabe a Deus. Descuidar dos próprios afetos é contribuir para agravar um quadro mais amplo de relações sociais gravemente desumanizadas, despersonalizadas, profundamente injustas. Procuremos, pois, nos deixar encantar pela paz, aquela paz que Santo Agostinho tão bem definia como “tranquilitas ordinis” – a “tranquilidade da ordem”. O mesmo Agostinho refere a importância de cultivarmos a “ordo amoris”, a ordem dos afetos. Deixemos cada coisa ordenadamente em seu devido lugar e, observando a justiça, respeitemos a dignidade de cada pessoa, recusando os discursos de agressividade e hostilidade entre os concidadãos. Uma recusa, aliás, que vale sempre, venham os discursos de ódio de onde vierem.

No fim da peça “Júlio César”, depois que uma grupo de senadores, capitaneado por Brutus, matou o general a punhaladas, bastou um único discurso para inflamar a multidão de cidadãos romanos: “vingança! Vamos procurá-los! Fogo! Morte! Fogo! Matemos os traidores!”. Esse é o ciclo vicioso e inevitável da violência. Que nós, pois, o rompamos de uma vez. E que o Brasil, possa, neste 2022, afastar-se definitivamente de toda radicalização violenta. Só assim não veremos mais repetirem-se tragédias como a que se abateu sobre a família de Marcelo Arruda, a quem prestamos toda a nossa solidariedade e oração.

Sob Deus e com os pobres,

A Comunhão Popular

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