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SEXO, GÊNERO E IDEOLOGIA DE GÊNERO

Poucos assuntos suscitam tanta polêmica no Brasil e no mundo quanto a questão da chamada ideologia de gênero. Grupos conservadores, de um lado, afirmam que há atualmente uma cruzada global contra a família e a sexualidade humana, cruzada esta levada adiante pela mídia, alimentada pela produção das universidades e financiada por grandes corporações econômicas. Grupos progressistas, por sua vez, dizem que tudo isso não passa de paranoia conspiratória, que não há qualquer perseguição em curso contra a chamada família tradicional, mas apenas o reconhecimento e a valorização daquelas pessoas que não se encaixam nos modelos convencionais de gênero e sexualidade, e que posições divergentes são fruto de preconceito e repressão.

Qual dessas duas abordagens é a correta? Como a Comunhão Popular se posiciona diante desse assunto? Eis aí uma pergunta que o nosso público das redes sociais nos faz com alguma frequência. Pergunta que iremos responder, com o detalhamento possível, em nossa postagem de hoje. O fundamento de nossa análise, como sempre, além de nosso bom senso e reflexão estudiosa do tema, será a Doutrina Social da Igreja, que já se pronunciou seguidamente sobre o assunto, desde há mais de vinte anos.

Comecemos esclarecendo as coisas e pondo os pingos nos is. “Ideologia de Gênero” é o nome popular e pejorativo que se dá à Teoria Queer, um tipo específico de teoria feminista, dentre várias outras, surgida em fins dos anos 1980 e que tem como maior representante a pensadora norte-americana Judith Butler (1956 –). A ideia básica dessa teoria, extremando algumas propostas anteriores, é a existência uma diferença radical entre duas dimensões da vida feminina e masculina. Uma seria a dimensão do sexo. Outra seria a dimensão do gênero.

Segundo a Teoria Queer, sexo seria a palavra adequada para descrever todas as diferenças naturais que há entre homens e mulheres. Diferenças que, sendo naturais, são também universais, ou seja, estão presentes da mesma forma em todas as sociedades da história. É o caso, por exemplo, de as mulheres engravidarem e os homens não, de apenas as mulheres terem ciclo menstrual ou de os homens serem, em média, mais fortes e altos. Por outro lado, segundo Butler, gênero seria o termo adequado para nos referirmos a todas aquelas diferenças entre homens e mulheres que seriam fruto da cultura, do contexto histórico, e que, portanto, variam de uma sociedade para outra, conforme o tempo e o lugar. Assim, por exemplo, o uso de saias – que na nossa sociedade é algo exclusivamente feminino, mas que na Escócia é um hábito também masculino. Da mesma forma, a tendência a se associar a cor rosa com meninas e a cor azul com meninos – algo comum em nossa sociedade, vide os chás de revelação, mas inexistente em outros contextos sociais.

Até aqui, qualquer pessoa minimamente sensata sabe que há alguns aspectos da masculinidade e da feminilidade que são naturais, e que há outros que são culturais. A distinção entre sexo e gênero é, portanto, em si mesma, útil para a compreensão da sociedade – tanto que o próprio Magistério católico a aceita sem reservas. O problema, o grande problema, são as consequências que a Teoria Queer tira dessa distinção.

De fato, uma coisa é afirmar que certas diferenças entre homem e mulher são puramente culturais. Uma coisa é até mesmo denunciar parte dessas diferenças de gênero como cruéis e opressivas para com as mulheres. Tudo isto está mais do que justo. Outra coisa, completamente diferente, e que não pode ser confundida com aquelas, é defender, como fazem os ideólogos de gênero, que todas, absolutamente todas as diferenças de comportamento entre homens e mulheres não passam de construções culturais da sociedade, e que, por isso, podem ser descartadas a qualquer momento. Para Butler e seus discípulos, o sexo, a dimensão natural da masculinidade e da feminilidade, se reduz apenas ao biológico – como homem ter pênis e mulher ter vagina. Tudo o mais, todo o amplo conjunto de diferenças de conduta entre machos e fêmeas da espécie humana, não passaria de um acidente histórico relativo.

Ora, essa posição da Teoria Queer é inteiramente absurda, tanto do ponto de vista da fé, quanto, inclusive, do ponto de vista da pura razão. Não é à toa, aliás, que, nos últimos anos, várias pessoas sem qualquer engajamento religioso têm apoiado movimentos políticos contrários à chamada ideologia de gênero. A propósito, para que se tenha noção do absurdo da coisa, mesmo Camile Paglia (1947 –), uma teórica feminista radical, que identifica a si mesma como uma pessoa trans e que é inclusive favorável à legalização do aborto, condena a teoria de Butler com todo o vigor, desde que ela foi elaborada.

Como ensina taxativamente o Papa Francisco, em sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia, “o sexo biológico e a função sociocultural do sexo (gênero) podem-se distinguir, mas não separar”. Em primeiro lugar, é evidente, porque foi assim que Deus nos fez. Segundo o belo relato da criação de Gênesis 1, que é em larga medida simbólico, mas que por isso mesmo atesta algumas das verdades mais fundamentais da existência, “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus Ele o criou: homem e mulher os criou”. A distinção masculino-feminino, portanto, muito longe de ser um mero construto cultural, diz respeito ao desejo mais profundo do Senhor para nós, desde que fomos concebidos. E essa verdade religiosa é amplamente e fartamente comprovada, tanto pelas pesquisas científicas a respeito, como pela própria experiência comum.

É um conhecimento de biologia básica, por exemplo, que os homens têm naturalmente muito mais testosterona em seu organismo do que as mulheres, e é de informação geral que este hormônio está diretamente ligado à postura firme e combativa na tomada de decisões. Da mesma forma, as mulheres produzem naturalmente, em quantidade muito maior do que os homens, o hormônio ocitocina, que está diretamente ligado ao cuidado do parceiro e da prole. Obviamente, nós não somos animais irracionais, totalmente guiados por instintos, e os hormônios não definem sozinhos nosso jeito de ser, mas não seria isso um indício claro de que há um fundamento natural nas diferenças de conduta entre homem e mulher? Certamente, não é por acaso que vários atletas profissionais, quando decidem recorrer ao “dopping”, tomam injeções de testosterona. Da mesma forma, não é uma coincidência o que acontece com tantos atletas trans: quando se identificavam como homens, eram esportistas medianos em sua categoria; mas quando passaram a se identificar como mulheres, se tornaram figuras de ponta. E aqui falamos apenas de um tópico, o hormonal, sem entrar em inúmeras outras diferenças naturais – como gestação, força física, amamentação, ciclo menstrual etc.

O nosso corpo – e, portanto, o nosso sexo – não é apenas um detalhe. Ele é parte essencial de nossa identidade, nosso modo de ser e estar no mundo. Portanto, conforme afirma o Pontifício Conselho para a Família, em seu documento “Família, Matrimônio e ‘Uniões de Fato’”, “Em um correto e harmônico processo de integração, a identidade sexual e a identidade de gênero se complementam, dado que as pessoas vivem em sociedade de acordo com os aspectos culturais correspondentes ao seu próprio sexo”. Que recusemos, sem dúvida, e que combatamos dia e noite todas aquelas diferenciações sociais que oprimem a mulher: a divisão injusta das tarefas domésticas, o salário menor, o assédio moral e sexual, a tendência a se culpar a vítima de estupro, o desprezo pela maternidade. Que jamais, no entanto, se confunda a legítima luta contra o machismo e a misoginia com a negação da identidade e singularidade feminina – criada, querida e amada por Deus.

Sob Deus e com os pobres,

A Comunhão Popular.

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