Em determinado momento da obra “O Auto da Compadecida”, do nosso patrono Ariano Suassuna, o Pe. João recebe um pobre pedindo-lhe que o alimente. De modo arrogante, o sacerdote responde que “a Igreja só se importa com o alimento espiritual” e fecha a porta para o necessitado.
Aqueles que, muitas vezes de forma inconsciente, entendem o cristianismo como o Pe. João, pensam estar focados nas mais fiéis tradições de renúncia ao mundo. Acreditam que estão opostos a tendências modernizantes que teriam ferido a Igreja nos tempos atuais. Trata-se, porém, de um grande equívoco. Se exaltam o nome de Deus nos discursos políticos, mas renunciam à preocupação com o sofrimento do irmão necessitado, recaem na redução da fé religiosa ao âmbito privado, denunciada por São Paulo VI em sua Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi”. É uma posição que, na verdade, é oriunda do anticlericalismo dos contratualistas como Hobbes e que vem à tona na Revolução Francesa.
São, no final das contas, coniventes com um sistema que, de acordo com José Pedro Galvão de Sousa, conduz diretamente a uma sociedade burguesa individualista, na qual não há justiça porque ninguém mais se importa mais com o outro. Nessa sociedade, não importa quantos versículos da Bíblia sejam estampados em camisetas ou proclamados em debates eleitorais, o que se quer é o silêncio quanto aos problemas sistêmicos dos homens, enquanto cada um cuida da própria vida e ninguém cuida dos que sofrem.
Assim, no número 3 da Encíclica “Mater et Magistra”, São João XXIII afirma que a primordial missão da Igreja é santificar as almas, o que, contudo, não impede da mesma Igreja se preocupar com as necessidades cotidianas dos homens. O mesmo papa afirma na Constituição Apostólica “Humanae Salutis” que “embora sem ter finalidades diretamente terrestres, a Igreja, no seu caminho, não pode, entretanto, desinteressar-se dos problemas e trabalhos terrenos”. Desse modo, cabe ao fiel católico – a todos os cristãos, na verdade – se importar com a questão social. E isto em nome da própria salvação do ser humano! De fato, sendo cada um de nós composto de corpo e alma, é completamente natural que os cristãos se interessem pelas condições de vida dos que o cercam.
Não são ideias tiradas do nada pela cabeça de João XXIII. No número seguinte da encíclica citada, o papa vai às fontes evangélicas, os exemplos de Cristo, para fundamentar sua ideia, citando, o momento em que Cristo contempla uma multidão faminta e exclama: “Sinto compaixão desta multidão! Já faz três dias que estão comigo e não têm o que comer” (Mc 8.2). Também são lembrados os momentos em que Cristo multiplicou milagrosamente os pães para saciar a fome da multidão de cinco mil pessoas (Mt 14, 13-22) e de quatro mil pessoas (Mt 15, 32-39).
Cabe recordar, ainda, quando Jesus Cristo anuncia solenemente quem são aqueles que entram no seu Reino, os que ajudam os pequeninos irmãos, em Mt 25, 34-40: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei em herança o meu Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo; pois eu estava com fome e me destes de comer; estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro e me recebestes em casa; estava nu, e me vestistes; doente e cuidastes de mim; na prisão, e viestes a mim. Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como forasteiro e te recebemos em casa; sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso e te fomos visitar? Então o Rei lhes Responderá: Em verdade, vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes mínimos que são meus irmãos, foi a mim que o fizeste!”
Por conseguinte, aqueles católicos que buscam a salvação da sua alma tem o dever de seguir os ensinamentos da Igreja sobre a questão social. Esse é o trabalho lançado por Leão XIII com a “Rerum Novarum”, quando abordou — especialmente — a situação social dos trabalhadores, e continuado por seus sucessores. Afirma Pio XII, em preleção de 29 de abril de 1945: “a Doutrina Social da Igreja é clara em todos os seus aspectos. Ela é obrigatória. Ninguém pode se afastar dela sem perigo para a Fé e para a ordem moral.” O mesmo Pio XII conclui, em uma mensagem de Natal: “Deus não é neutro para com as coisas humanas, em face do curso da história. Por isso também a sua Igreja não o pode ser”.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular.