No Brasil, são realizados anualmente cerca de 3 milhões de partos. Infelizmente, muitos deles são marcados tanto por descaso com a saúde da mulher quanto por intervenções excessivas, danosas e desnecessárias, com consequências graves e muitas vezes fatais.
De acordo com o Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, o Brasil teve, em 2021, média de 107 óbitos de mães a cada 100 mil nascidos vivos. A taxa de mortalidade materna contabiliza o número de mães que morrem durante a gravidez, no parto ou nos 42 dias seguintes ao parto devido a causas relacionadas à gravidez. Dentre elas, a principal causa em nosso país é a hipertensão. Em segundo lugar, a hemorragia. Por fim, vêm as causas indiretas, muitas vezes pré-existentes, como doenças cardíacas ou renais e cânceres. Seja qual for o motivo, muito precisa ser feito, principalmente quando consideramos que o consenso entre os especialistas é de que, na maior parte destas mortes, o desfecho trágico podia ter sido evitado.
Além disso, levantamentos mostram que o ato de dar à luz no Brasil está cercado de procedimentos que são comprovadamente danosos para a mulher, para o bebê e para a sociedade. Entretanto, ainda são muito comuns. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2010, 25% das mulheres brasileiras que tiveram filhos na rede pública ou privada sofreu algum tipo de violência obstétrica. Você provavelmente já ouviu alguém contar sobre a realização de “um cortezinho” na vagina, uso de soro na veia durante todo o parto, a negação de alimentos ou água para a mãe ou até mesmo algumas “manobras” na barriga da gestante. Tudo isso com a justificativa de que ajudaria o bebê nascer. Há também relatos de mulheres que tiveram que ficar deitadas durante todo o parto, sem poder escolher outra posição. Outras não puderam ver o bebê assim que nasceu e não tiveram direito a acompanhante.
Já imaginou ter um bebê sem nenhuma pessoa que você conheça e goste por perto? O momento do nascimento, com seu misto natural de alegria e dor, acaba marcado por sofrimentos desnecessários. Parece óbvio, mas é preciso demarcar que essas práticas, além de perigosas, desumanizam a mulher, o bebê e a família, uma vez que impõem à mulher uma experiência limitada, destituindo a gestante da possibilidade de participar e opinar sobre seu parto.
Quando falamos de humanização, falamos do respeito e efetivação dos direitos das mulheres e famílias, os quais se concretizam por meio de práticas baseadas em evidências científicas, acolhimento, apoio e orientações de qualidade. Podemos citar, por exemplo, o esclarecimento às mulheres e famílias sobre as modificações que ocorrem no corpo durante a gestação e sua relação com o parto; como ocorre o trabalho de parto; o parto normal e a cirurgia cesariana; os riscos e benefícios dessas vias de parto e das possíveis intervenções; quais práticas favorecem o parto normal; e informações sobre violência obstétrica que, sim, existe!
Desde a CPI da Mortalidade Materna (2001) e do Plano Nacional de Redução de Mortalidade Materna (2004), o Brasil vem, sem o sucesso esperado, envidando esforços para combater a violência obstétrica. O avanço necessário somente poderá vir do desenvolvimento de políticas públicas que busquem promover a humanização de todo o ciclo gravídico-puerperal, ou seja, desde o pré-natal até o puerpério. Podemos citar, por exemplo, o respeito e garantia da presença de um acompanhante de escolha da mulher durante todo o trabalho de parto, parto – normal ou cesariana – e pós-parto (Lei nº 11.1108/2005); respeito ao direito ao conhecimento e à vinculação prévia da gestante à maternidade específica (Lei nº 11.634/2007); respeito à privacidade; acesso aos métodos não farmacológicos e farmacológicos de alívio da dor durante o parto; assistência de enfermeira obstétrica; escolha do local de parto – parto domiciliar planejado, parto em centro de parto normal peri-hospitalar (casa de parto) ou parto hospitalar; plano de parto; entre outras ações. Tudo para garantir a assistência num clima de diálogo e acolhimento, antes e durante a gestação, durante e após o parto.
Não estamos falando de luxos, mas de cuidados essenciais para sanar dúvidas, romper medos, reconstruir saberes e subsidiar escolhas informadas e verdadeiramente livres para a mulher. Contrariamente a uma imagem muitas vezes veiculada, parto humanizado não é sobre parir em casa ou no hospital, na banheira ou fora dela. O termo humanização não se refere à via de parto (vaginal ou cesárea), mas ao tipo de assistência que a mulher recebe. Onde as decisões são compartilhadas e as escolhas da mulher são ouvidas e respeitadas. Nessa direção, as enfermeiras obstétricas são profissionais engajadas na promoção do parto seguro e saudável, no qual as mulheres tenham protagonismo e participem desse marcante momento da vida, sem intervenções excessivas, contribuindo para a melhoria da qualidade da assistência e para uma experiência positiva do parto.
Ocorrida a violência, porém, para buscar a responsabilização cível e criminal, a vítima pode procurar o Ministério Público ou a Delegacia da Mulher, bem como realizar a denúncia pelo “disque 180” (canal de Violência contra a Mulher), pelo 136 do “disque saúde” ou pelo canal de atendimento da ANS. Além disso, a denúncia também pode ser feita junto ao próprio hospital, à clínica ou à maternidade em que a vítima foi atendida.
A despeito disso, é preciso avançar na legislação que trata desta matéria, pois, no Brasil, ainda não há lei própria criminalizando de maneira específica a violência obstétrica. Também é preciso avançar no registro estatístico deste tipo de violência e na articulação dos dados colhidos entre os comitês estaduais de mortalidade materna e as Secretarias de Saúde e de Segurança Pública, tal como proposto em projeto de lei que atualmente tramita no Estado de São Paulo.
Sempre comprometida com a vida, a Comunhão Popular entende que a atenção ao parto é fundamental para a saúde da mulher e das crianças. O nascimento de um bebê não pode ser reduzido a um simples processo padronizado e industrial, muito menos se tornar um espaço de violências. Os serviços de saúde brasileiros devem assumir um compromisso pela humanização do parto, com protocolos que a contemplem, valorização da enfermagem, campanhas de informação e punição da violência obstétrica.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular