Avançar para o conteúdo

A DEMOCRACIA QUE QUEREMOS

Hoje, dia 16 de Agosto, inicia-se oficialmente a disputa eleitoral pela Presidência da República. Encerrada a fase da pré-campanha, definida enfim a lista de candidatos, começa a corrida pelo cargo máximo da nação. Sobretudo no ano do bicentenário da independência, o momento deveria ser uma oportunidade para refletirmos sobre o futuro do país e os seus principais desafios, mas, infelizmente, como sabemos, não será assim. Extremamente polarizado, mobilizando paixões de um lado e de outro, o pleito desse ano se encaminha para ser uma verdadeira guerra.

Segundo os adversários do governo Bolsonaro, em especial, as eleições devem ser encaradas como um plebiscito. Não se trataria tanto de se escolher entre um plano de governo e outro, nem mesmo entre uma candidatura e outra. A verdadeira opção é entre a democracia e o autoritarismo, entre a civilização e a barbárie. Muito mais do que um simples erro ou mesmo que um desastre político, a linha de ação de Bolsonaro representaria, nesta perspectiva, um risco real de golpe de Estado, de ruptura com o regime democrático e de destruição das nossas instituições. Foi nesse espírito, aliás, que a Faculdade de Direito da USP publicou, recentemente, sua “Carta aos Brasileiros”. Assinado por quase todos os presidenciáveis, além de inúmeros organismos da sociedade civil (sindicatos, federações de empresários, associações de estudantes, etc.), o manifesto é um texto em defesa da democracia e do respeito ao resultado das urnas, qualquer que ele seja.

Será, no entanto, que esta é a perspectiva mais adequada para encararmos o cenário eleitoral desse ano? Será que, frente ao apontado risco de golpe, apenas uma defesa em abstrato do valor da democracia é o suficiente? Como a Comunhão Popular se posiciona perante esse contexto?

Antes de tudo, é preciso ser claro: o atual presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, tem evidentes pretensões autoritárias e antidemocráticas. Não bastasse seu apreço totalmente acrítico pela ditadura militar, não bastasse seu vergonhoso elogio público ao torturador Brilhante Ustra, não bastasse sua presença constante em manifestações populares que clamam por intervenção militar e pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal, nosso Chefe de Estado tem passado os últimos meses pondo em xeque a lisura do sistema eleitoral brasileiro. Mesmo sem ter qualquer prova ou indício sólido que sustente suas alegações, Bolsonaro afirma que as urnas eletrônicas não são confiáveis e que a eleição por isso pode ser fraudada. Uma coisa, aliás, bastante curiosa, já que ele próprio tem sido eleito sucessivamente há três décadas, bem como inúmeros aliados políticos seus. Pior: em momentos de exaltação com seus seguidores, o presidente já deu a entender, mais de uma vez, que não está disposto a deixar o cargo.

Ora, a Comunhão Popular possui um compromisso inegociável com a democracia. De fato, ainda que, em princípio, outras formas de governo também sejam legítimas, estamos firmemente convencidos de que só o regime democrático pode realizar as aspirações do nosso povo. É preciso garantir a ampla participação dos cidadãos nos espaços de poder. Mais: é preciso rechaçar completamente todo projeto político que queira se estabelecer de modo autoritário, rompendo com a lei e as instituições da República. Nesse sentido, unimos nossa voz com toda força ao coro daqueles que condenam os ataques do atual presidente às instituições democráticas, e exigem o respeito ao mais estrito resultado das urnas, seja ele qual for. Neste sentido, estamos de acordo com a carta da USP. Consideramos, na verdade, a iniciativa um importante movimento cívico, semelhante àquele que, nos anos 80, uniu as mais diversas correntes de pensamento político em torno das Diretas Já.

Há, porém, um grave problema no discurso de muitos daqueles que se opõem ao autoritarismo bolsonarista. Um problema, inclusive, reconhecido, até certo ponto, pela “Carta aos brasileiros”. Esse problema é se contentar simplesmente com uma pura defesa da democracia em abstrato, como se a mera manutenção das formalidades eleitorais fosse coisa boa o bastante para o nosso povo. Fica parecendo, assim, que a democracia brasileira ia muito bem, obrigado, até que subitamente surgiu a eleição de 2018. Mas isso, todos nós sabemos, não é verdade. A crise democrática tem raízes muito anteriores. Basta recordarmos, por brevidade, as manifestações de rua de Junho de 2013, o impeachment de Dilma em 2016, a judicialização da política, com todo o protagonismo indevido do Supremo Tribunal Federal, e o fenômeno da Lava Jato, que levou à prisão várias das mais importantes autoridades da República.

Se algo como o bolsonarismo se tornou possível, é precisamente porque a democracia brasileira ia mal, muito mal. Se um candidato que se dizia contra tudo e contra todos alcançou a liderança máxima do país, é justamente porque os cidadãos não se sentem identificados com nosso sistema político, não se enxergam nas instituições do país. Isso, aliás, não tem nada a ver com voto eletrônico, é um problema muito mais profundo do que bravatas do presidente. Nesse momento, portanto, dizer-se apenas em defesa da democracia soará para o nosso povo como apenas dizer-se em defesa do status quo, do “mais do mesmo”. Soará apenas como um projeto de resgate daquela mesma democracia em crise de antes, que deu à luz, mesmo que contra sua vontade, os autoritários de hoje. É preciso fazer uma autocrítica e superar esse engano.

Nós, da Comunhão Popular, julgamos essencial e inegociável defender a democracia, com todas as suas instituições fundamentais, mas julgamos também insuficiente. Não basta defender a democracia pura, em abstrato, como um substantivo. É preciso defender um modelo de democracia concreta, com um conteúdo determinado, adjetivada. Por isso, o projeto da Comunhão Popular é construir uma democracia cristã.

O que significa isso? Uma teocracia? Um regime que imponha a todos os cidadãos a profissão da fé cristã e persiga os dissidentes? De modo algum. Isso seria trair a própria causa da fé, que, para ser genuína, deve sempre ser livre. Democracia cristã significa sim um regime político no qual, respeitando-se as consciências e garantindo-se a todas as pessoas e grupos a participação nos espaços de poder, os valores éticos do Evangelho permeiam e guiam as instituições do país, servindo como critério maior para as políticas públicas. Somente estes valores, somente estes princípios podem sanear e redimir a política brasileira. Primeiro, porque esses valores são, objetivamente falando, os verdadeiros, revelados por Deus ao ser humano. Em segundo lugar, porque esses são também os valores históricos da pátria brasileira, professados ainda hoje pela ampla maioria do nosso povo, mesmo por aqueles que não têm fé cristã ou que não são praticantes.

Precisamos sim defender a democracia, mas uma democracia renovada, fundada em princípios corretos e com a cara do nosso povo. Uma democracia que proteja integralmente a vida humana, desde a concepção até a morte natural, rejeitando o aborto e tudo o mais que afronta a santidade de cada um feito à imagem de Deus. Uma democracia que respeite todas as formas de convivência e relacionamento, mas que proteja e reconheça o status único da família natural, fundada na união livre, amorosa, fecunda e duradoura entre um homem e uma mulher. Uma democracia na qual o STF tenha sua autoridade respeitada, mas na qual a Suprema Corte também se atenha à lei moral natural e aos seus limites institucionais, sem cair em ativismos ou tomar para si funções que cabem a outros poderes.

Mais: não podemos nos contentar com uma simples democracia política, de formalidades eleitorais e votos a cada quatro anos. É preciso construir uma democracia social, uma democracia econômica. Precisamos urgentemente de um regime que fortaleça a sociedade civil e os corpos intermediários, como os sindicatos, as associações de moradores e os municípios, aumentando os seus campos de poder e diminuindo a centralização de Brasília. Precisamos de uma transformação radical em nosso sistema econômico, que rompa com os limites individualistas do capitalismo e nos leve na direção de uma economia comunitária, baseada na Doutrina Social da Igreja, que garanta o direito à propriedade privada, mas a subordine à sua função social. Precisamos de uma reforma tributária, através da qual os impostos passem a cobrar mais de quem pode pagar mais e menos de quem pode menos. Precisamos de um Estado marcado pela opção preferencial pelos pobres, que combata a fome, as grandes desigualdades sociais e que garanta amplos serviços públicos. Precisamos de um sistema de proteção ambiental que responda ao apelo do Papa Francisco pela Casa Comum. Precisamos combater o racismo e outras chagas históricas que se abatem sobre nossa pátria.

Esta é a democracia que queremos. Esta é a democracia pela qual luta a Comunhão Popular. Uma democracia cristã, contra a sanha dos autoritários e golpistas, mas que também não se satisfaz com qualquer tipo de democracia.

Sob Deus e com os pobres,

A Comunhão Popular.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *