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DIA NACIONAL DO FOLCLORE: COMPROMISSO COM A CULTURA

O ano de 1945 deu início, no Brasil e no mundo, a um amplo processo de reorganização social para resgatar dos escombros das duas Grandes Guerras o que sobrou de civilização. Diante da necessidade de uma atuação substancial em prol da paz, os organismos internacionais passaram a estimular o resgate do folclore com o fim de buscar a compreensão entre os povos, sem prejudicar a construção de identidades nacionais e regionais diferenciadas.

O Brasil foi o primeiro país a atender à recomendação internacional da ONU, criando, em 1946, junto ao Ministério das Relações Exteriores, o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura. Em seguida, a Comissão Nacional do Folclore, liderada por Renato Almeida, foi organizada para ser a representante brasileira na UNESCO. Do conjunto de todas estas iniciativas, foi gestado o Movimento Folclórico Nacional, que teve sua época áurea entre 1948 e 1964. Sua expressão máxima foi a Campanha da Defesa do Folclore Brasileiro – criada em 1958 pelo então Ministério da Educação e Cultura -, que nasceu destinada a “defender o patrimônio folclórico do Brasil e a proteger as artes populares”.

O contexto histórico brasileiro, no entanto, afigurava-se desafiador. Situado em algum lugar entre a ciência e a arte, o estatuto científico do Folclore foi questionado por grandes sociólogos, como Florestan Fernandes, e seu estudo acabou marginalizado dentro da academia. Além disso, o espírito daquele tempo buscava priorizar a modernização do país para superar, com ímpeto algo revolucionário, um passado considerado arcaico.

Como resposta, reunindo à sua volta intelectuais da lavra de Cecília Meireles, Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Artur Ramos, Manuel Diégues Júnior, Edison Carneiro, Alceu Maynard de Araújo e tantos outros, que davam continuidade ao legado de Silvio Romero, Amadeu Amaral e Mário de Andrade, o trabalho dos folcloristas precisou apoiar-se em três pontos: pesquisa, proteção e ensino. Conhecer, para, aí então, proteger e preservar. Ou seja, não bastava conhecer o enorme acervo de manifestações culturais e populares do Brasil. Para que elas não se perdessem em meio ao acelerado processo de desenvolvimento tecnológico, às profundas transformações sociais e ao espírito novidadeiro dos novos tempos, os folcloristas propunham realizar um grande inventário, coletando e documentando todas as manifestações populares de que tomassem ciência. Por fim, o passo mais desafiador: transmitir todo o conhecimento acumulado para as gerações seguintes, sem engessá-lo ao modo enciclopédico.

Antes, as crianças vivenciavam o folclore naturalmente no seu dia a dia e o bebiam com o leite materno. Com a urbanização e a modernização do Brasil, porém, muitas crianças foram privadas desta experiência. Na educação infantil das grandes cidades, a escola é um meio artificial que apenas compensa aquilo que se perdeu com a modernização e ficou relegado aos rincões do país e seus modos de vida. Cecília Meireles, por isso, defendia que a porta de entrada do folclore nas escolas não podia se dar por meio de sua integração ao conteúdo curricular. Na I Semana Nacional de Folclore, ressaltou que “Nas escolas primárias e instituições pré-escolares, o Folclore não pode ser encarado especulativamente, mas vivido, a cada dia, na sua realidade, justamente para assegurar a sua permanência e prosseguir na sua evolução. (…) o Folclore deve constituir a atmosfera da criança não só nos seus momentos de recreio (cantigas, danças, advinhas, parlendas, jogos, contos, brinquedos), como na inspiração de trabalhos manuais (rendas, bordados, trançados, modelagens, etc.).”

Entre conquistas e frustrações, o Movimento Nacional do Folclore foi muito relevante por quase duas décadas. Todavia a partir de 1964, com o advento do regime militar, ele foi descontinuado e perdeu seu vigor. Desde então, pouco aconteceu. Em 1976, a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro foi incorporada à Fundação Nacional de Artes, como “Instituto Nacional do Folclore”. No fim de 2003, já sob o nome de Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, passou a integrar a estrutura do IPHAN – vinculado ao Ministério da Cultura. Atualmente, localizado em conjunto arquitetônico do bairro do Catete, Rio de Janeiro/RJ, o Centro mantém o Museu do Folclore Edison Carneiro e desenvolve e executa programas e projetos importantes, mas sem o brilho e o viço dos tempos dourados.

Hoje, no dia Nacional do Folclore, nós, da Comunhão Popular, reafirmamos nosso compromisso com os saberes e fazeres do povo. Não por acaso, o patrono de nosso movimento é Ariano Suassuna, figura brasileira das últimas décadas que mais se destacou na defesa e promoção da cultura popular. Suassuna fez isso como artista – em seus livros -, como intelectual – em seu ensino universitário -, como produtor cultural – conduzindo o movimento armorial -, e como político – sendo secretário estadual de cultura de Pernambuco e secretário municipal de cultura do Recife.

Comprometemo-nos com a preservação e valorização do folclore, pois sabemos o que está em jogo aqui. O neologismo folk-lore refere-se à sabedoria popular, às tradições preservadas pela transmissão oral. Ou seja, são fazeres e saberes testados pelo tempo, que, muito antes de a alfabetização se tornar um bem universal, viabilizavam os modos de vida das civilizações passadas.

Não ficaremos, então, inertes diante do cortejo fúnebre da lógica mercadológica da indústria de massas, voltada ao lucro e à produção em série. Diante da sua colheita maldita, que sempre deixa para trás um simulacro de cultura onde antes havia vida, faremos mais do que distribuir lenços e contratar carpideiras. Trabalharemos pelo reencantamento da cultura, pela valorização do gênio criativo sobre o processo produtivo, da corporalidade humana sobre os “efeitos especiais” do poderio tecnológico, das identidades regionais e nacional sobre a manipulação cultural homogeneizadora, dos bons valores sobre as propagandas ideológicas. Defendemos o Folclore não por diletantismo ou por uma preocupação romântico-burguesa com aspectos exóticos e pitorescos da nossa cultura, mas porque ele efetivamente compõe o patrimônio imaterial e espiritual, a vida simbólica e a alma deste país.

Sob Deus e com os pobres,

A Comunhão Popular.

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