Em “How rich countries got rich and why poor countries stay poor”, o economista norueguês Erik Reinert diz: “(…) desde sua fundação, os Estados Unidos sempre estiveram divididos entre duas tradições, as políticas ativistas de Alexander Hamilton (1755-1804) e a máxima de Thomas Jefferson (1743-1826), segundo a qual ‘o governo que governa menos, governa melhor!’. Com o tempo e o costumeiro pragmatismo americano, essa rivalidade foi resolvida com os seguidores de Jefferson encarregando-se da retórica e os seguidores de Hamilton cuidando da política.”
As palavras de Reinert sobre os EUA refletem um fenômeno recente que ocorre no nosso país. Nos últimos anos, surgiu uma série de editoras, think tanks, partidos e movimentos políticos, youtubers e influencers empenhados em divulgar o liberalismo econômico no Brasil. Segundo estes divulgadores, os países mais desenvolvidos são aqueles que mais apostaram na liberdade econômica, ou seja, em menos intervenção estatal. O argumento é sedutor, mas será que a proposição passa no teste da realidade histórica?
O economista sul-coreano Ha-Joon Chang, no livro “Chutando a Escada”, aponta a resposta que procuramos. De acordo com ele, “(…) os PADs [países atualmente desenvolvidos] recorreram a políticas industrial, comercial e tecnológica intervencionistas a fim de promover as indústrias nascentes. As formas e a ênfase dessas políticas podem ter variado de país para país, mas é inegável que todos as aplicaram ativamente. Em termos relativos (isto é, levando em consideração a defasagem de produtividade com os países mais avançados), a verdade é que muitos deles protegeram suas indústrias com muito mais vigor do que os atuais países em desenvolvimento.”
No entanto, conclui Ha-Joon Chang, os países desenvolvidos e o “establishment” internacional, por eles controlado, atualmente exportam para os países em desenvolvimento a cartilha liberal [do Consenso de Washington], que beneficia apenas uma das partes. Eis a explicação do título da obra: depois que os países desenvolvidos alcançaram o topo, “chutaram a escada” para longe do alcance de quem vinha atrás.
Para ficarmos com o nosso exemplo inicial, os EUA são considerados o símbolo máximo da criação de riqueza liderada pelo setor privado e pelos gênios do empreendedorismo, sendo o Vale do Silício – maior polo de inovação tecnológica do mundo – a quintessência do capitalismo de livre mercado. Mas esta percepção tem base na realidade ou é produto de propaganda ideológica para enganar os incautos? De acordo com a economista italiana Mariana Mazzucato, a história não é bem assim.
Na obra “O Estado empreendedor”, Mazzucato relembra que o período mais importante para os EUA em matéria de política de inovação se deu na sequência da Segunda Guerra Mundial, quando as agências de segurança nacional promoveram o desenvolvimento de tecnologias como computadores, jatos, energia nuclear, lasers e biotecnologia. Depois, pressionado pelo lançamento do Sputnik pela URSS, o Pentágono fundou a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA) para desenvolver novas tecnologias sem vinculação com fins militares.
Nas palavras da autora, daí decorreu o papel fundamental do Estado no boom da internet no Vale do Silício: “Indo muito além do simples financiamento das pesquisas, a DARPA financiou a formação de departamentos de ciência da computação, deu apoio a ‘start-ups’ com pesquisas iniciais, contribuiu para a pesquisa de semicondutores, apoiou a pesquisa da interface homem-computador e supervisionou os estágios iniciais da internet. (…) Essas estratégias contribuíram enormemente para o desenvolvimento da indústria da informática nas décadas de 1960 e 1970, e muitas das tecnologias incorporadas posteriormente ao projeto do computador pessoal foram desenvolvidas por pesquisadores financiados pela DARPA.”
Nós, da Comunhão Popular, rejeitamos as ideologias que buscam amputar a atividade econômica, seja do seu braço privado, seja do seu braço público. Rechaçamos tanto a confiança ingênua na mágica espontaneísta do livre mercado quanto a planificação econômica e o dirigismo estatal prepotente como receitas para o crescimento econômico.
Acreditamos que o desenvolvimento do Brasil depende da conjugação inteligente do Estado e do setor privado. Saudamos o gênio criativo dos nossos empresários e empreendedores, mas também afirmamos que o Estado não pode se conformar com a qualidade de mero garantidor das “condições para inovação”. Se queremos um Brasil próspero e desenvolvido, o Estado, mais do que cortar impostos e intervir apenas nas “falhas de mercado”, precisa assumir uma postura ativa, estabelecendo planos e metas de médio e longo prazo, desenvolvendo políticas fiscais, comerciais, industriais e tecnológicas sérias e arrojadas, investindo em programas de pesquisa, injetando capital nos estágios iniciais de criação e crescimento de empresas promissoras, especialmente as de alto custo ou grande risco, etc. Em síntese, precisamos subir pela escada.
Sob Deus e com os pobres,
A Comunhão Popular