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LAQUEADURA FACILITADA: UMA FALSA AUTONOMIA

Em 5 de setembro de 2022, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.443/2022, que altera a Lei do Planejamento Familiar para flexibilizar o acesso a procedimentos de esterilização cirúrgica. A norma, proposta por deputadas dos partidos Cidadania e Partido Liberal (PL, partido do presidente), reduz a idade mínima para a esterilização voluntária de 25 para 21 anos, bem como permite que o procedimento seja executado logo após o parto, desde que haja expresso consentimento manifestado pelo menos 60 dias antes do ato. Ainda, a nova lei retira a exigência de autorização do marido para realização de laqueadura pela mulher, e da autorização da esposa para realização de vasectomia pelo homem.

Em sua primeira publicação nas redes da Comunhão Popular, o nosso Núcleo Feminino decidiu se debruçar sobre o assunto, nas linhas a seguir, sob um ponto de vista da mulher.

A edição da norma foi recebida com entusiasmo por ambos os lados do cenário político nacional. A ampliação do acesso à esterilização, tradicionalmente voltada às classes mais baixas, satisfaz o fetiche da ala mais conservadora que, apesar de se dizer defensora da família tradicional, flerta com a eugenia da população pobre, sobretudo negra, como meio para redução da miséria. Por sua vez, a esquerda progressista celebra a aprovação da lei como uma conquista para a causa da autonomia feminina, já que expandiria o domínio das mulheres sobre seus corpos e capacidades reprodutivas, reduzindo as restrições à sua autodeterminação quanto ao procedimento de esterilização voluntária.

Na verdade, tendo fracassado na promoção de condições dignas para o desenvolvimento das famílias, os representantes eleitos acreditam que o caminho para a redução da miséria é a esterilização dos miseráveis. Este discurso surge no mesmo país em que, em 2018, magistrados e promotores públicos em São Paulo se uniram para submeter uma mulher em situação de rua à esterilização forçada, ignorando sua expressa recusa. Todas essas são manifestações do mesmo espírito antinatalista e contra o pobre que, difundido pela cultura estadunidense, promoveu a política de laqueaduras voluntárias e involuntárias durante a ditadura militar brasileira e gerou quase 300.000 laqueaduras forçadas em mulheres indígenas peruanas durante a ditadura Fujimori de 1990 a 2000.

O Estado liberal nega à mulher a realização das capacidades do seu corpo de forma segura, amparada por condições sociais e econômicas dignas para sua família. Ele propõe a nós, mulheres, como substituto, um alegado exercício de autonomia. Mas “autonomia para quê?”, perguntamos. Autonomia para extirpar de nosso próprio corpo seu dom mais distintivo: a possibilidade da maternidade, potencialidade única da mulher, que expõe as injustiças e contradições de um sistema que nega direitos básicos às mães e crianças vulneráveis. Frente a esse cenário de desamparo, a esterilização é colocada como uma falsa esperança para muitas mulheres, que buscam a segurança do procedimento irreversível contra as incertezas sociais decorrentes da falta de estrutura familiar e social.

Tanto a laqueadura quanto a vasectomia não podem ser vistas como meios ordinários de controle de natalidade. Ambos os procedimentos, quando realizados sem necessidade médica, implicam em grave supressão das potencialidades procriativas humanas, que resultam não na autoafirmação da mulher, mas sim na sua negação. Ao invés de promover um planejamento familiar positivo, dinâmico, aberto, que compreenda o lugar social da maternidade em uma comunidade humana integral, tais medidas acabam por reforçar um fechamento individualista, que nega a solidariedade e responsabilidade com as mulheres e crianças pobres.

A nova lei acaba por aprofundar ainda mais o cenário de desconfiança e fragilidade dos vínculos sociais. O fim da exigência de consentimento do marido ou da esposa traz divisão ao âmbito conjugal, acabando com um dos últimos resquícios jurídicos do caráter unitivo do matrimônio enquanto comunhão de corpos e vidas com propósito comum de constituição de uma família.

A Comunhão Popular opõe-se ao discurso hipócrita que, trajado de preocupação com a miséria, promove o extermínio dos miseráveis. Rejeitamos, ainda, essas medidas que, embaladas como defesa da mulher e igualdade de gênero, acabam por suprimir uma das formas distintivas de sua plena realização no mundo.

Nós, da Comunhão Popular, não queremos esterilização. Contra a pobreza, o desamparo social e a violência de gênero, queremos a restauração das famílias e atenção integral às mulheres, permitindo-lhes que se realizem plenamente, em toda pluralidade que as constitui.

Sob Deus e com os pobres,

A Comunhão Popular.

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